quinta-feira, abril 22, 2004

Kill Bill Vol. 2
Como prometido, cá estou para comentar a segunda parte do Kill Bill. É capaz de ser longo, apesar de eu ir tentar evitar "spoilers" a quem ainda não viu o filme. Se quiserem uma versão curta podem vir aqui.

Que dizer do filme? Bom, apesar do que prometi, a reacção não é a quente, pelo menos tanto como tinha dito. Já passou uma hora desde que saí do cinema, pelo que algumas das ideias já assentaram. Seja como for será sempre diferente daquilo que, daqui por um mês, direi. Porque entretanto irei rever o filme, não haja dúvidas quanto a isso.

Primeiro ponto: as expectativas. Quando soube, há cerca de um ano atrás, que Tarantino estava a preparar um filme inspirado nas suas sessões de Jackie Chan do período chinês, confesso que me preocupei. Tive, de certa forma, um certo receio que Tarantino, por uma vez, me desiludisse. Jackie Brown, sendo um excelente filme, tinha sido algo inferior a Pulp Fiction e a Reservoir Dogs. Receei que a qualidade voltasse a descer, que a fixação por um objectivo voltasse a desviar a atenção dele do global no filme.

Os medos desapareceram com o primeiro volume. Um filme de entretenimento mas com algo mais, com uma ambiência a alternar entre o cowboy, o oriental e o mexicano. Um filme de fronteira, de fusão de mundos com um denominador comum: a vingança.

O final do Vol. 1 deixava a promessa de mais. Mas também um sabor a algo de diferente, talvez transmitido pelo fatalismo com que "Bud" (Michael Madsen, pouco mais que uma sombra nesse filme) enfrentava a cruzada de "The Bride", mas também pela música, como que a indicar um fim de um caminho mais óbvio, como que a dizer que, a partir daquele momento, o resto seria algo de diferente.

Antes de começar a debruçar-me sobre o filme propriamente dito, um aviso: "The Bride" realmente mata toda a gente, cumpre a vingança. Como toda a gente o espera, não vou fazer segredo. Quanto ao resto tentarei não o revelar.

Em Kill Bill Vol. 2 o filme começa como que a negar o final do primeiro volume. Vemos "The Bride" num carro (não o "Pussy Wagon") em conversa com o espectador. Avisa que já matou os outros e que só falta Bill. E que vai a caminho para o encontrar. Esta introdução nega o que o final do filme anterior induziria, mas, depois de se ver o filme, fica-se com a ideia que não será exactamente assim. Com esta cena Tarantino marca uma divisão dentro do próprio filme, como que a marcar uma mudança de registo. Esta mudança só se torna evidente mais à frente - e não explicarei aqui porquê - e apenas de forma subtil.

Mas essa cena inicial também dá a primeira ideia para outro ponto forte do filme: o classicismo. Com esta cena, Tarantino usa a figura do narrador, à laia do "chorus" do teatro clássico. Serve também para fazer a ligação com o primeiro volume, mas dá a ideia para o que aí vem.

O classicismo é uma nota dominante no filme. Começando pelo amor. O filme é sobre vingança? Para dizer a verdade, é sobre várias vinganças, de várias personagens, todas pretendem vingar-se de alguém. Mas são vinganças motivadas, na sua maioria, pelo amor. Pelo amor entre pais e filhos, pelo amor entre amantes, pelo amor entre mestres e pupilos, pelo amor entre irmãos. Todo o filme é norteado por este sentimento, mas apenas no final esse sentimento se torna patente.

Outros momentos de classicismo estão presentes em piscadelas de olho. Uma conversa sobre cinema a falar de Lana Turner; planos de "The Bride" a andar sobre montes a fazer lembrar outros filmes passados; mas, acima de tudo, pelo confronto final com Bill, numa sequência que mostra um Tarantino mais maduro e capaz de entrar por outros caminhos.

Tarantino consegue o feito de, não rompendo com o filme anterior, enveredar por um caminho diferente, combatendo tiques e vícios que poderiam ficar do primeiro volume. Não se esperem litros de sangue a jorrar: o filme está mais realista. Não se esperem cenas de artes marciais absolutamente impossíveis. Não se espere invencibilidade. Há mais vulnerabilidade, tanto física como emocional. Mas este caminho é trilhado aos poucos e com os devidos flashbacks para enquadrar as novas situações.

Claro que não deixa de haver combates. O de "The Bride" contra "Elle Driver" (Daryl Hannah, se não o soubesse nunca adivinharia que aquela actriz fez o Splash aqui há 20 anos) é de arrpiar em alguns momentos. Atinge uma intensidade notável e faz o confronto com "O-Ren Ishii" (Lucy Liu) ou "Vernita Green" (Vivica A. Fox) parecer um aquecimento. Há uma violência impressionante, especialmente no ódio patente entre as adversárias. E essa violência atinge o clímax com o seu final, num momento explosivo que parece que esvazia o balão de forma repentina.

Já o confronto físico entre "The Bride" e "Bill" é curto, elegante e belo. Termina tão depressa quanto começou. E da forma que se previa a partir de meio do filme (depois perceberão). Mas nem por isso deixa de ser um momento único em cinema.

Palavra a David Carradine: a coroar o, talvez, melhor filme de Tarantino, a melhor "ressurreição" de um actor esquecido que o realizador conseguiu. Carradine, desaparecido há vários anos, sempre nos tinha habituado a actuações extremas. Ou muito violentas, em "overactings" dolorosos, ou muito contidas, em "underactings" que apagavam o actor. Neste filme ele está perfeito. E perfeito é a palavra certa. Bill é um vilão fascinante, colocá-lo-ia ao lado do "Frank" de Henry Fonda em Aconteceu no Oeste. E David Carradine tornou-se em Bill. Encarnou-o na perfeição. É arrepiante em alguns momentos, comovente noutros, mas sempre deixando à flor da pele algo mais. É a interpretação do ano, mesmo sem ver mais nenhuma.

Tarantino fez o seu melhor filme? Talvez. Haverá quem discorde, mas o "enfant térrible" está mais maduro. Tem algo mais no programa que falar da virgindade de Madonna ou citar a Bíblia antes de estoirar os miolos a alguém. Os diálogos são mais directos mas deixam mais encoberto. O seu estilo continua lá, mas é impossível não pensar que atingiu outra dimensão.

Continuemos a ver Tarantino crescer, eu não consigo imaginar onde ele irá parar.
Kill Bill, Cannes, Coimbra e mudanças
Primeiro ponto: vou hoje, caso nada aconteça, ver finalmente o Kill Bill Vol.2. Algum pensamento de última hora? Alguma expectativa para o filme? Da minha parte vou para ser deslumbrado. Menos que isso e ficarei algo desiludido. Devo dizer que a banda sonora me deixou preocupado, mas de Tarantino nunca se sabe. Fica a esperança de sair arrasado do cinema.

Segundo ponto: eu ia fazer um comentário sobre Cannes, mas o João tratou disso primeiro. Vou deixar o comentário para outra altura. Fica apenas a pergunta: porque razão os filmes portugueses são quase sempre mandados para a secção "Un certain Regard"?

Terceiro ponto: quem quer comentar a edição deste ano dos Caminhos do Cinema Português?

Último ponto: agora que estás pela capital João, e com esta profusão de cinemas que há por lá, espero que nos possas ir dando uns comentários mais frequentes e, mais importante, mais "alternativos". Bom trabalho e boa mudança.

segunda-feira, abril 19, 2004

Do Oeste para as Arábias
No sábado fui ver o Hidalgo. É um filminho simpático, que vive da expressividade contida de Viggo Mortensen, da enésima aparição no papel de um árabe de Omar Shariff (embora seja a primeira vez que o vejo a falar árabe) e das inevitavelmente belas imagens do deserto.

Em relação às imagens, justiça seja feita a Joe Johnston, que não cai nos exageros à David Lean e não nos dá planos longuíssimos sobre mares de dunas, antes jogando com algumas das cores da paisagem de maneira a fazer passar a intensidade emocional desejada.

Claro que cai nos exageros do género, nomeadamente nos fantasmas de indíos e outros que assaltam sempre o protagonista. Outro ponto nitidamente (muito) mau é a música, sinfónica e que em nada tem a ver com o ambiente árabe e/ou indío que domina o filme.

Seja como for, com um pé torcido e ainda à espera do Kill Bill Vol. 2, a minha apetência para o sangue e para a dor era pequena e, como tal, decidi virar-me para outro filme que não o The Passion of the Christ. Além disso o João tem razão. Essa discussão começa a cheirar mal. Talvez seja carne em decomposição...

Falando em Kill Bill, mal veja a segunda parte podem contar com um textinho aqui no Série B. Mal chegue do cinema. As primeiras impressões são sempre curiosas de serem lidas mais tarde.

quinta-feira, abril 15, 2004

(peço desculpa, mas desta vez vou desobedecer à regra de não postar fotografias...)

Lembram-se de Janeane Garofalo, a comediante simpática que entrou em títulos como "Dogma", "The Truth About Cats And Dogs" ou "Romy and Michele's High School Reunion"? Se não se lembram, aqui está uma foto dela.



Bem, devo dizer que fiquei muito surpreendido quando, lendo o This Modern World, vi que a Janeane está assim.



Ou melhor, assim.


sábado, abril 10, 2004

Comentando um post do Pedro Serra, calhou-me dizer que "A Paixão de Cristo" estava para a Igreja Católica como o "Rasganço" esteve para Coimbra. Agora, penso que saiu-me mais razão do que pensava. Curioso, amigos...

quarta-feira, abril 07, 2004

Ele vem aí...

"The Brown Bunny" chega a Portugal amanhã. Olhem para a ficha técnica:

Directed by
Vincent Gallo

Writing credits (in alphabetical order)
Vincent Gallo

Cast (in credits order)
Vincent Gallo .... Bud Clay
Chloë Sevigny .... Daisy Lemon
Cheryl Tiegs .... Lilly

Produced by
Vincent Gallo .... producer

Original Music by
Ted Curson
Jackson C. Frank
Vincent Gallo

Non-Original Music by
Jeff Alexander (song "Come Wander With Me")
John Frusciante (songs)
Gordon Lightfoot (song "Beautiful")

Cinematography by
Vincent Gallo

Film Editing by
Vincent Gallo

Casting by
Vincent Gallo

Production Design by
Vincent Gallo

Art Direction by
Vincent Gallo

Set Decoration by
Vincent Gallo

Costume Design by
Vincent Gallo

Makeup Department
Vincent Gallo .... makeup artist

Art Department
Vincent Gallo .... set designer

Sound Department
Marc Fishman .... sound re-recording mixer
Vincent Gallo .... sound
Tony Lamberti .... sound re-recording mixer

Other crew
Deborah Brock .... special thanks
Vincent Gallo .... color timer


O verdadeiro artista ou o verdadeiro narciso?

PS - Post colocado pelo João Vaz que, por razões técnicas saiu multiplicado por três e que foi necessário corrigir. Também existia um comentário do Sérgio que, naturalmente, acabou também por desaparecer. Recoloca-o Sérgio, acho que até estavas acertado.

terça-feira, abril 06, 2004

Num mundo de sonhos reencontrados
Ontem caiu-me nas mãos o Field of Dreams, de Phil Alden Robinson. Foi um projecto pessoal do realizador (recentemente realizou o razoável The Sum of All Fears e tinha já tomado em mãos o interessante Sneakers) tendo também escrito o argumento.

A história conta-se de forma simples. Um homem, fazendeiro no Iowa um pouco contra vontade, começa a ouvir vozes e a ter visões que o começam a incentivar a construir um campo de basebol nos seus campos. Depois começam a incentivá-lo a descobrir algumas personagens curiosas que deixaram alguma ponta solta na sua vida e que tinha directamente a ver com o jogo.

Claro que há algumas histórias paralelas, como a do problema financeiro do fazendeiro e a do passado hippie que ele e a sua mulher têm, mas que em nada retiram a dimensão onírica em que o filme parece estar alicerçado e acabam mesmo por a reforçar em alguns pontos.

O belo do filme é mesmo esta vertente quase mística dada ao basebol. Não há necessidade de se compreender o jogo, o que foi aquilo que me atraiu quando o vi pela primeira vez, para quem quiser, basta substituir o campo de basebol por um de futebol ou de qualquer outro desporto que se prefira. O filme foi (re)visto, da minha parte, com um sorriso nos lábios, com uma expressão de deleite por um cinema simples e prazenteiro, em que o importante é mesmo a história.

Kevin Costner é o protagonista, na pele do fazendeiro. É um Kevin Costner ainda longe do Dances with Wolves, sem a dimensão "bigger than life" que tentou transmitir às suas personagens a partir de certa altura. Neste filme ainda é o homem simples, de sonhos perdidos e que tem uma oportunidade de os reviver, mesmo que por pouco tempo.

Referência apenas à presença de Burt Lancaster, numa aparição que faz, num ou noutro plano, lembrar o Il Gattopardo, de Visconti.

segunda-feira, abril 05, 2004

Gratuitidade em Larry Clark

Infelizmente ainda não me foi possível ver o Bully. Apenas li algumas críticas, o que é óbvio que não é nunca suficiente para falar do filme.

Quanto ao Kids, considero que Clark atingiu, em relação aos filmes que vi dele, o seu auge logo ao primeiro filme. Talvez devido ao argumento de Harmony Korine, que é absolutamente fantástico. O Another Day in Paradise é absolutamente dispensável, tanto quanto os restantes - repito, que já vi - são indispensáveis.

Em Ken Park, Clark filma sem guião absolutamente definido, apenas tem um programa de filme, filma os sentimentos - ou a ausência deles - das personagens. Filma a ternura, como tu disseste muito bem Jorge. Mas filma também a frustração e o "gap" entre o mundo adulto e o mundo adolescente. Não há explicação para o sexo porque não é necessária a explicação. O sexo existe apenas porque sim, porque é bom. Por isso a cena final é a três e não apenas a dois, porque é bom e há necessidade de o compartilhar.

Em Kids há um guião a definir a acção e, por muito que Korine afirme que Clark subverteu o seu argumento, nota-se que o filme segue uma regra pré-estabelecida, sendo a acção delimitada por um espaço bem definido, embora muito pouco rígido em si mesmo.

Neste contexto, o Another Day in Paradise apenas serve para afirmar a aparente dificuldade de Clark em se mover com o espartilho de um argumento do tipo tradicional. O filme vê-se muito preso à história que, além disso, foge à temática dos restantes filmes - ou mesmo fotografias - de Clark. Talvez por isso Ken Park seja um objecto muito livre, muito solto, entregue ao amadorismo dos seus jovens actores e à iniciativa do elenco dito "adulto" que se vê sem grandes amarras talvez pela primeira vez na carreira.

Clark filma corpos em plena exaltação da adolescência, é esse o conteúdo programático da obra de Clark. E se o fizer pelo lado dos seus vícios tanto melhor. E isso não é pornográfico por ser explícito, é não-pornográfico por ser apenas demonstrativo.
Caro João, acrescento algo que ainda não disse sobre "Bully": é dos filmes que melhor vi a tratar o homicídio enquanto questão moral.

Só me faz caso o "carácter gratuito das imagens quase porno (pedofilia?)". Esta é uma boa questão: o que há em Clark que o põe fora do universo porno? Eu tenho dificuldade em considerar o sexo em "Kids" gratuito. Gratuito é sem justificação, e em "Kids" tudo é explicado - há uma coerência interna que se faz razão de tudo. Mesmo em "Ken Park", o sexo explícito (a que eu não faço corresponder necessariamente a ideia de pornografia - afinal, se muito boa gente se referiu ao "A Paixão de Cristo" como pornográfico, não é por ter sexo...) é, permitam-me, ternurento. Há ternura em "Ken Park", filme em que o sexo é mesmo, mesmo, redenção.

E "Bully" não te levou a reconsiderar "Ken Park", João? Aposto que sim.

sexta-feira, abril 02, 2004

As origens da história...
Ou a história das origens. Do que te foste lembrar Jorge, ao relembrar a versão radiofónica do Série B. Acho que agora vou ter de rever Os Dias da Rádio para marinar a nostalgia.

Por acaso também gostaria de ver a Cátia por estas paragens, para que isto não se tornasse nem no Série J nem na Zona J. Por outro lado a perspectiva feminina tiraria o tom misógeno ao espaço.

Já agora poderias também ter colocado o link para o espaço que nos deu antena.

Vou tentar ver a Paixão entretanto. Está-me a cheirar que vamos ter discussão...
E pronto.

quinta-feira, abril 01, 2004

Este simpático comentário do Pedro Serra (que vem a seguir - justiça seja feita - a este, do Sérgio Alves do Santa Ignorância), define melhor este blogue do que alguma vez, parece-me, nós o fizemos. O Série B era um programa da Rádio Universidade de Coimbra apresentado pelo João Vaz e a Cátia Faísco (a propósito, ela não quereria alinhar nisto também, amigos?); o João André fazia comentários regulares e eu ia lá de vez em quando, quando me fazia convidado e os Joões me aturavam. O programa tinha uma grande meia hora de discussão de filmes - lembro-me de ter ido lá pela primeira vez defender, com grande dificuldade, o "Branca de Neve"... Enfim, depois o programa mudou de mãos, entortou mais para o lado do magazine e a discussão perdeu-se. Houve a sorte de o João André e eu nos termos encontrado na blogosfera e começarmos a comentar os posts de crítica cinematográfica um do outro. Daí para a ideia do blog colectivo foi um pequeno passo.

E agora o Série B começa a ganhar uma pequena visibilidade. Nada mal, amigos. A propósito, João Vaz, vi-te lá no Estúdio 2 ontem. O que achaste do "Bully"?