quarta-feira, setembro 22, 2004


Morreu Russ Meyer, um clássico da Série B.

sexta-feira, setembro 17, 2004

Sistemas de classificações

Os de filmes naturalmente, já que este é um blogue que fala de cinema. Há muitos sistemas: as estrelas - com a ajuda de uma preciosa bola preta para os filmes realmente maus - os pontos, balões já vi uma vez num diário regional, comprimento de fita também num blogue de língua inglesa. Há até quem use um sistema de classificação baseado nos hamburgueres do McDonalds.

Compreendo a necessidade destes sistemas num jornal, há leitores que não querem uma crítica completa, apenas uma ideia da qualidade de um filme. O mesmo não se aplica, na minha opinião, a blogues. Estamos a falar de pessoas que digitaram o endereço específico porque queriam ler o que o(s) autor(es) do blogue tinham a dizer sobre um filme, não porque tivessem interesse apenas numa classificação. A crítica pura desenvolve o interesse e tenta racionalizar o cinema. A classificação reduz o mesmo à expressão de um gosto, tanto pior avaliado quanto menos tempo tiver decorrido entre a visualização do filme e a escrita da (mini-)crítica.

Pessoalmente não gosto das classificação. Quando o programa de rádio que serviu de inspiração a este blogue existia, as minhas críticas semanais a um filme não eram feitas por via de classificações. Antes comentava o filme de acordo com o que tinha interpretado do mesmo. Claro que havia (e há) sempre um elemento de subjectividade, isso é impossível de eliminar, mas tentava, antes de mais, analisar o filme sob um prisma mais complexo que a simples classificação da qualidade.

Porque razão vem isto a propósito? Simplesmente devido à classificação que o Pedro e o Fernando deram ao Terminal de Aeroporto no Pipoca Rasca!. O primeiro classificou-o com 9 em 10 e o segundo com 5 em 5. Não coloco em causa a qualidade do filme, o qual não vi e que merecerá certamente uma reflexão minha por este espaço. Pergunto apenas a razão para tal classificação. Será que o Fernando acha o filme uma obra-prima tão absoluta que pode ser emparelhada com filmes como Citizen Kane, O Leopardo ou O Couraçado Potemkine, só para referir três de géneros completamente diferentes? Será que o Pedro considera Terminal de Aeroporto o melhor filme de Spielberg, acima d'A Lista de Schindler, de ET ou de Tubarão? Ou será que algum destes filmes (ou outro) de Spielberg merece uma classificação melhor e, como tal, ser elevado ao tal panteão que apontei atrás?

Volto a sublinhar que não pretendo criticar especificamente nem o Pedro nem o Fernando, que têm um dos blogues mais activos e interessantes da cinefilia lusa. A sua referência surge apenas por os ler mais frequentemente que a outros blogues de cinema e ao facto de estas classificações terem sido apenas o "gatilho" para este post.

Penso que o que se deveria frisar sempre é a questão da "falta de qualidade" de qualquer classificação quantitativa de um filme. Qualquer classificação, seja de que filme for e seja por quem for. É que a memória cinematográfica é curta e o comodismo é fácil.

sexta-feira, setembro 10, 2004

Há tempos, fiz um pedido pelo "Stardust Memories". A Ardelua do Terna é a Noite respondeu-me. A cassete chegou ontem e hoje eu sorrio. Por isso, muito obrigado à Ardelua. Recordo-me também que mais alguém me respondeu, mas o e-mail desapareceu misteriosamente da minha caixa de correio. A esse desconhecido também o meu muito obrigado. Hoje este cinéfilo está com certeza feliz.

Nova fórmula?

M. Night Shyamalan surgiu, em 1999, como um raio caído do céu, a falar de mortos infelizes e de crianças perturbadas, com o já famoso «I see dead people!» - The Sixth Sense. Neste filme levou ao auge a técnica do twist cinematográfico, uma ferramenta que nada tinha de novo mas que servia aqui uma narrativa simultâneamente mainstream e indie.

Com Unbreakable, o escritor/realizador estendia ainda mais o seu sentido programático: personagens perturbadas e desajustadas, mas acomodadas à sua vida, que eram perturbadas por um elemento novo que surgia de fora. Repetia-se um actor, Bruce Willis, com uma personagem tão fraca interiormente como forte exteriormente. Outra constante de que Shyamalan não prescindia eram as imagens por reflexos, fossem espelhos, maçanetas de portas ou outras, normalmente baços ou sujos, como que a dizer que a visão vinha distorcida, não era a original.

Com Signs o filme mantém alguns dos elementos comuns. Mantém-se a personagem perturbada, neste caso a família é a personagem em si mesma, com cada elemento a fazer parte de um todo que continuava não completo. Neste filme, com o cerco da casa, Shyamalan recuperava o suspense à Hitchcock. O twist mantinha-se mas mais subtil. Como em Hitchcock os elementos estavam todos lá: havia realmente extraterrestres, mas acreditávamos permanentemente que não fosse esse o caso. O twist final vinha na forma da visão do alien, na confirmação da sua existência real.

Em todos estes filmes tínhamos personagens aleijadas emocionalmente e para quem o evoluir da situação acabava por "curar" os problemas.

Com The Village começamos a ver uma variação nesta fórmula. As personagens da aldeia - mais um povoado que uma aldeia, para dizer a verdade - estão também magoadas com algo que viveram no passado, embora esse algo apenas seja explicado cabalmente no fim do filme. O sentimento de perda é, aliás, assumido desde o início, que começa com um enterro de uma criança. Mais tarde vemos que a celebração de um casamento se processa de forma semelhante ao almoço do funeral da criança enterrada. Os rituais estão estilizados, assim como as regras. Há uma sensação de necessidade de regras rígidas para fugir à dor.

Outra coisa que está ausente é a religião. Este ponto é tão mais premente pelo facto de o filme anterior de Shyamalan se focar num antigo pastor em crise de fé. A aldeia da história segue as regras típicas dos colonos americanos. Muita sobriedade, insistência no cavalheirismo e uma comunidade de tal modo fechada em si mesma que parece hamish. O elemento que dá a discordância é mesmo a ausência de religião.

The Village acaba por ser uma sequência lógica na obra de Shyamalan. O grupo de personagens alarga-se. A figura da personagem transgressora aprofunda-se e fica mais adulta - começava por ser o suicida de The Sixth Sense, um adulto preso à criança perdida, passava pelo filho de Bruce Willis e de Mel Gibson em Unbreakable e Signs - para terminar na personagem de Joaquin Phoenix neste mais recente filme. Um twist curioso surge ao nível do fantástico: passa a ser mais evidente desde o início, embora a sua imagem se dilua no fim. O próprio conceito de twist surge mais leve, embora apareça por três vezes. O ambiente que Shyamalan tenta construir no filme assemelha-se ao anterior, mas há um ponto que falha: demasiadas personagens.

Shyamalan parece atingir um limite com este filme. Perde-se com a quantidade de relações inter-pessoais, a aldeia aparenta ser mais uma manta de retalhos de relações a dois que propriamente um organismo vivo. Mesmo na perspectiva da existência de uma dor interior, Shyamalan parece perder-se um pouco. Salva-o o facto de ter recrutado um belo conjunto de actores, sendo uma verdadeira revelação o surgimento de Bryce Dallas Howard, filha do realizador Ron Howard.

No final fica a ideia de um realizador em busca de uma nova fórmula para a sua obra, mesmo que o tente fazer sem perder os pontos habituais de referência. Já chamaram a M. Night Shyamalan o novo Spielberg. Isso pode ser bem verdade em alguns pontos, mas é preciso ser cumprido noutro: a mudança de género e estilo para concretizar o ecletismo de um programa. Enquanto não o fizer, poderá arriscar-se a ser considerado apenas como um Peter Pan: um realizador que nunca cresceu.

quinta-feira, setembro 02, 2004

Escuridão

Depois de ter começad por ver o Mimic, ter passado para o Blade II e finalmente pelo Hellboy, posso finalmente analisar um pouco a obra cinematográfica de Guillermo del Toro.

Del Toro parece ter uma fixação por monstros escuros, pelas trevas, pela luta entre o bem e o mal. no mundo de Del Toro existe sempre um mal personificado, os monstros de Mimic, os vampiros de Blade II e os nazis satânicos de Hellboy. Este é um tema que sempre tem sido caro para o cinema, seja ele americano, europeu ou outro. Esta luta pode ser feita de conflitos internos e pessoais, ou através do combate físico com um inimigo exterior. Del Toro gosta de misturar os dois e é aí que acaba por residir o interesse nos seus filmes.

Nas lutas tradicionais do Bem contra o Mal, há quase sempre características puras e impuras a caracterizarem os heróis e os vilões, respectivamente. O exemplo mais acabado desta mitologia surgiu durante a série central da Guerra das Estrelas, com a luta do Jedi contra o Império. Um Bem absoluto contra um mal também absoluto. No fim, a vitória era atingida através da conversão de um veículo do Mal para executor do Bem, conversão essa que exigiria sempre o seu sacrifício, o qual era a sua redenção.

Guillermo del Toro não abarca essa visão. Para ele, o Bem e o Mal não existem nos seus conceitos tradicionais, todos temos o potencial para o Bem e para o Mal em nós mesmos. A separação entre os dois campos é extremamente difusa, feita mais através de um espectro de cinzentos que permitem a mistura de características de um lado e do outro. Os "bons" nunca são puros, estão condicionados por um pecado original, enquanto que os "maus" padecem do mesmo, mas no sentido contrário: são maus porque foi assim que o fizeram. Desta visão, apenas Hellboy se afasta, mas não tanto assim.

Vejamos caso a caso.
Mimic: um grupo de cientistas cria uma espécie nova para acabar com uma praga que afecta a população nova-iorquina. Mais tarde esta nova espécie, depois de evoluir, continua a funcionar como predadora, mas agora de humanos. Os mesmos cientistas que os criaram acabam por ser os mesmos que os vão destruir. Temos portanto uma espécie que é assassina porque foi com esse intuito que foi criada e cientistas que sofrem do mal de ter criado a mesma. Há um "cheiro" a Mal a emanar do filme, isto por todos os poros. Claro que toda a acção se passa nos subterrâneos de Nova Iorque.

Blade II: um guerreiro combate uma nova espécie de vampiros criados pelos vampiros originais. Este guerreiro, Blade, é ele próprio meio vampiro, devido à mãe ter sido mordida enquanto ele estava para nascer. É portanto um vampiro marcado pelo Bem, ou um cruzado marcado pelo Mal. A sua persona é extremamente difusa e tem imensos pontos em contacto com os seus inimigos, a ponto de também precisar de sangue para recuperar dos ferimentos. A semelhança é tal que vai ao ponto de ser contactado pelos seus inimigos para combater um Mal ainda maior. No fim, depois de combates realizados essencialmente nos esgotos escuros, a redenção dos vampiros chega sob a forma de uma aurora que traz a morte.

Hellboy: o filme que mais se afasta da matriz típica, mas sem nunca a trair realmente, antes a potenciando. Um guerreiro, aparentado com um demónio, é invocado por nazis para os ajudar no combate aos aliados. Depois de ser abortada a acção, o guerreiro, ainda bebé, é levado por um especialista em paranormal, sendo adoptado por este e ensinado a combater o mal. Mais tarde, os nazis voltam para terminar o trabalho e tentar trazer o fim do mundo. Para além do óbvio contraste de ver um demónio a combater o Mal, temos o facto de um dos seus colegas ser também não-humano e de a sua outra colega, apesar da forma humana, ser uma verdadeira arauta da Morte, numa personificação da mesma através do fogo. Os nazis, em contrapartida, acabam por apresentar formas mais humanas (à excepção do assassino). Os monstros assassinos invocados pelos nazis acabam por o ser porque é assim que são por natureza, não podem ser de outro modo. O próprio Hellboy não pode mudar o que é, à excepção de cortar os chifres que lhe crescem normalmente. No fim, a diferença em relação aos outros filmes surge através das escolhas. Hellboy escolhe ser humano e renegar a sua herança demoníaca assassina e os nazis escolhem ser monstros, renegando a sua origem humana. Uma vez que Hellboy não pode ser visto pelo público, a acção desenrola-se essencialmente à noite. A sobreposição do Bem e do Mal extende-se ao ponto de Hellboy invocar um morto para o ajudar, acção normalmente associada aos cultos do Mal. Também Hellboy é rude, fumador, bebedolas. Apenas assume contornos mais "puros" quando na presença do pai ou da mulher que ama.

Del Toro passa portanto por ser uma espécie de cruzamento entre um Tim Burton que traz elementos desestabilizadores (embora del Toro o faça em ambientes já de si pouco comuns) e um David Cronenberg que cruza monstruosidades com o humano (embora del Toro deixe esse cruzamento patente desde o início, como facto, de forma a criar a anormalidade inicial). Fica a faltar-lhe talvez o golpe de asa, o momento em que poderá ascender a um patamar diferente, em que poderá colocar os seus "fantasmas" ao serviço de uma narrativa previamente definida, e não tornar os seus "fantasmas" a narrativa. Estou em crer que nesse dia o cinema ganhará uma obra prima, assim o queiram Hollywood e del Toro.