quinta-feira, setembro 29, 2005

Alegoria

Land of the Dead é um filme que reconforta. Numa altura em que o slasher movie tem sido feito para idades mentais pouco acima das dos espectadores do American Pie, George Romero mostra que ainda se pode ser inteligente com filmes de mata-esfola.

A alegoria é óbvia e não tão subtil como se poderia pensar. Claro que isto tem tudo a ver com o mundo em que vivemos, onde uns poucos privilegiados vivem no meio do luxo e do conforto, têm à volta os "cidadãos" do seu undo que trabalham para os poder manter e toda a gente ignora, teme e rouba as massas oprimidas do resto do mundo. Isto poderia ser um guião para um filme marxista-leninista mas não é, é mesmo a ideia envolvente de Land of the Dead.

O filme passa muito por isto, por um jogo de descobrir as referências. O saque à cidade controlada por zombies lembrará a exploração de países do Terceiro Mundo; o mercenário que é usado para fazer o trabalho sujo do "senhor" da torre lembra tanto os radicais islâmicos que até diz que se não tiver aquilo que exige que lhe atirará com uma jihad; os zombies são uns pobres diabos que existem uma imitação de vida, adoram fogos de artifício e, um dia, guiados por um outro que é aparentemente mais inteligente e se preocupa com eles, decidem fazer-se à cidade e acabam por a destruir; tudo numa óbvia alegoria que se pderia chamar "de pé ó vítimas da fome, de pé famélicos da terra". No final sobram apenas os cidadãos de segunda da cidade, tentando reconstruir o mundo à sua imagem; os zombies, que depois de destruir os seus inimigos vão "em busca de um sítio para onde ir"; e o herói, ou melhor, o anti-herói, única aparente concessão cinematográfica de Romero, que acaba por tentar ir para onde não haja nada.

Claro que não há uma convincente construção de personagens, mas isso é absolutmante desnecessário nestes filmes. O ambiente é o que conta e esse está sublime, num jogo de sombras e luzes, com piscares de olhos cinematográficos por todo o lado. Romero está nas suas sete quintas e consegue criar o suspense necessário, inclusivamente quando este é anti-climático (caso da zombie que sobe para o carro blindado). Temos portanto um filme de zombies como deve ser: mortos com fartura, anti-heróis, referências cinematográficas e de realidade, suspense e previsibilidade devidamente medidas. Não faz história no cinema? Não, mas é com filmes como este que se faz Cinema.

Cantai as boas novas minha gente

Cinema escrito por de quem dele gosta. Percebendo ou não. Ou, como poderia dizer Fassbinder, Meinen Damen und Herren: amerikanische Nacht!