quarta-feira, março 17, 2004

Burlesco moderno
Ontem revi o Gremlins, o primeiro. Aqui há umas semanas tinha visto o Looney Tunes - Back in Action. Em comum? O realizador, Joe Dante. Algo mais em comum? A colaboração entre "bonecos" e actores humanos. No caso do Gremlins, os bonecos são do tipo tradicional. No caso do Looney Tunes, são desenhos animados criados em computador. Nenhum dos conceitos é inovador. A primeira vez que vi um desenho animado a contracenar com um actor humano foi com o Gene Kelly a dançar com o rato Jerry no Anchors Aweigh no longínquo ano de 1945. Quanto ao uso de bonecos ou fantoches, esse é tão antigo quanto o conceito de espectáculo.

Então que têm os filmes de Dante de especial? Dante nunca se conforma com os clichés habituais da mistura de géneros - referências diferentes, conflito de mundos, etc. - e tenta permanentemente fundir os dois universos para criar um mundo híbrido. Neste sentido, talvez devido à ajuda que recebe do digital, o Looney Tunes é o que mais longe leva este conceito, dando a entender, muitas vezes, que o próprio Brandon Fraser é um cartoon, isto pelas figuras que faz e pelas situações em que se envolve.

Esta fusão já se notava em Gremlins, embora mais pelo lado dos monstros. É notável a sequência dos gremlins a beber, fumar, cantar e jogar cartas no pub. Parecem-se com um conjunto de hooligans num pub num domingo à tarde a ver o jogo da final do campeonato do mundo de futebol. Com esta e outras cenas, Dante ensaia uma aproximação entre os monstros e os humanos. Mesmo a personagem de Murray Futterman consegue ir-se aproximando do estilo típico dos cartoons, sendo extremada em todos os seus esgares, gestos e maneirismos. Até a sequência em que, depois de sabotar a caldeira do cinema, Billy e Kate passam por trás do ecrã e são iluminados de forma a serem vistos pelos gremlins dá a ideia de fusão entre humano e cartoon, o que é realçado pelo facto de o filme que estava a ser projectado ser precisamente um cartoon, talvez a referência do género, Branca de Neve e os Sete Anões.

Em Looney Tunes o avanço prossegue em todas as cenas, desde o já referido Brandon Fraser, passando por Timothy Dalton e Steve Martin ou pelos hilariantes presidentes do estúdio. Neste vendaval, Jenna Elfmann, no papel da vice-presidente que acompanha a aventura "arrastada" por Bugs Bunny e que se apoia em números para definir os projectos seguintes do estúdio, acaba por se ir convertendo, aos poucos, à loucura dominante no filme.

Todos os filmes de Dante têm sido dominados por um sentimento de loucura permanente e extravasante, bem como pela ideia de fusão entre humano (real) e fantástico (imaginado). Estes dois vectores não são sempre óbvios, sendo normalmente subliminares. O caso mais óbvio disto é em The Second Civil War, onde a fusão é realizada com ajuda da televisão, que acaba por transformar os intervenientes de uma guerra prestes a acontecer em caricaturas. Já a loucura está presente de forma violenta e ácida em todos os filmes que vi, sendo o caso mais óbvio, novamente, Looney Tunes.

Terminando, Joe Dante, recordado pelos dois filmes que vi ou revi dele nos últimos tempos, será actualmente um dos maiores "artesãos" do cinema americano moderno, não se socorrendo das tecnologias para ignorar a história, antes usando-as para caucionar o seu trabalho de forma mais consistente, normalmente dando a volta ao estereótipo.