terça-feira, março 23, 2004

A necessidade aguça a criatividade?
Pedro Almodovár terá vindo manifestar contentamento pelos resultados eleitorais de Espanha. Diz ele que agora a Espanha volta a ser democrática e livre. Desta forma, poder-se-à deduzir que Almodovár terá a tentação de transpor para o cinema essa repressão de liberdade vivida durante os anos PP.

Não pretendo entrar pelos caminhos da política nem analisar se o Enfant Térrible do cinema espanhol terá ou não razão. Apenas gostaria de levantar a questão de, admitindo por agora que há razão para a afirmação, esta opressão ter resultado nos melhores filmes da carreira de Almodovár (La Flor de mi Secreto, Todo sobre mi Madre e Hable con Ella).

Será que isto significa que o controlo estatal resultou em filmes de melhor qualidade? Sob certa medida sim. Não da forma directa que se poderia deduzir destes dados, mas sob a forma de uma "fuga para a frente" que os realizadores tendem a encetar quando vêm as suas liberdades criativas cerceadas.

Por outras palavras, a necessidade aguça o engenho ou, como disse no título, a criatividade. Outro bom exemplo foi dado por Hitchcock, com as suas cenas de amor a pulsar de tensão erótica numa altura em que o Código de Censura Hayes limitava a própria duração dos beijos nos filmes. Hitchcock terá mesmo batido os records para o beijo mais longo na sequência de Notorious em que Cary Grant e Ingrid Bergman se beijam demoradamente durante uma conversa telefónica. Esta sequência, que teve de ser feita de forma a fugir às restrições do código, criou uma das sequências mais memoráveis do cinema americano - e, por memória colectiva, do cinema mundial.

Outros exemplos foram dados por Chaplin, com os seus filmes permanentemente politicamente incorrectos. Chaplin acabou mesmo por ser proibido de voltar a entrar nos EUA, proibição que só foi levantada muito mais tarde. Todos os seus filmes tinham a tendência de atacar as instituições americanas o que, para a altura, poderia ter levado à censura de muitos dos seus filmes. Apenas a sua inventividade na forma como fazia estes ataques conseguiam que o filme escapasse à fúria censora. E, pelo caminho, entravam para o panteão da 7ª Arte.

P.S.
Caro Jorge, não te posso dar nenhum conselho para o "The Passion..." porque ainda não o vi. Mas pelo que li talvez seja boa ideia levar um pequeno saco de papel.