sábado, julho 16, 2005

Porque é que não concordo com o João Vaz

(ATENÇÃO: LER ESTE POST PODE ESTRAGAR O FILME A QUEM AINDA NÃO O VIU)

Sim, sou suspeito, porque gosto muito de Steven Spielberg - mesmo havendo tantos Spielbergs como há Brasis (o Spielberg terrorista, o Spielberg adulto, o Spielberg aventureiro, o Spielberg do medo, o Spielberg da família, o Spielberg da solidão) -, mas não posso concordar contigo, João, quando consideras a Guerra dos Mundos como "um mero emaranhado de efeitos especiais". Não o é. Não foi o meu filme preferido de Spielberg e não sei mesmo se se poderá considerar um "filme superior" na carreira do realizador, mas há momentos que são pontos culminantes de um percurso.

Primeiro, Spielberg adapta para o entretenimento, e num contexto desligado do próprio 11 de Setembro (ao contrário de "A Última Hora", de Spike Lee, por exemplo), a cultura imagética do 11 de Setembro. Os et's destroem Nova Iorque - como filmar a destruição de Nova Iorque? A câmara, baixa, à frente das pessoas que fogem com uma nuvem de pó nas costas; a cena arrepiante da chegada de Tom Cruise a casa descobrindo-se coberto de caliça - aquele olhar, aquele olhar, aquele olhar tem passado, diz qualquer coisa que não é dita, passa-se algo dentro daquela personagem que nós só podemos adivinhar. E a personagem de Cruise vai ser, até ao fim, uma conquista: o dilema de Cruise é muito mais consigo próprio do que com os seus filhos, e por isso é que não importa muito que os filhos fiquem com ele ou com a mãe. Nada vulgar.

Depois, o elemento da família: como Spielberg disse, hoje, depois de nove filhos, nunca conseguiria filmar a personagem principal a abandonar mulher e prole, como fazia o Richard Dreifuss de "Encontros Imediatos de Terceiro Grau". Curiosa, esta evolução de um elemento temático e estilístico. Curioso também o modo de contar o conflito de Cruise na sequência da cave: Dakota Fanning a encarnar o espectador, que não consegue encontrar outra solução que não a de Cruise matar Robbins e, assim, reflectir o dilema moral de um homem que, do trabalho à vida familiar, só conseguiu sobreviver rompendo os obstáculos (sim, eu sei, soa piroso).

E algo de que vou sempre à procura num Spielberg: a luz belíssima, expressiva, de uma ressonância ética sem igual, de Janusz Kaminski. Reparem como este elemento tão simples, tão primordialmente do cinema, está ali a servir o Bem ou o Mal (quase invariavelmente o Mal - ver "Minority Report"), como se vai aprofundando em força expressiva a cada filme que passa.

Do que não gostei: do narrador, principalmente da tirada final sobre Deus, quando Deus não é chamado a um filme de pessoas; de puxar a personagem de Robbins para um indício de pedofilia, claramente aproveitando o embalo da imagem conseguida pelo actor em "Mystic River"; da entrada da sonda extraterrestre na cave, o que foi formatado de outros filmes de Spielberg (muito do "Parque Jurássico", algo do "Relatório Minoritário"); um final algo repentino, se bem que de acordo com a história do livro, mas que deixa a sensação que, para ficar aconchegadinho, ainda era preciso um bom quarto de hora de filme.