Escuridão
Depois de ter começad por ver o Mimic, ter passado para o Blade II e finalmente pelo Hellboy, posso finalmente analisar um pouco a obra cinematográfica de Guillermo del Toro.
Del Toro parece ter uma fixação por monstros escuros, pelas trevas, pela luta entre o bem e o mal. no mundo de Del Toro existe sempre um mal personificado, os monstros de Mimic, os vampiros de Blade II e os nazis satânicos de Hellboy. Este é um tema que sempre tem sido caro para o cinema, seja ele americano, europeu ou outro. Esta luta pode ser feita de conflitos internos e pessoais, ou através do combate físico com um inimigo exterior. Del Toro gosta de misturar os dois e é aí que acaba por residir o interesse nos seus filmes.
Nas lutas tradicionais do Bem contra o Mal, há quase sempre características puras e impuras a caracterizarem os heróis e os vilões, respectivamente. O exemplo mais acabado desta mitologia surgiu durante a série central da Guerra das Estrelas, com a luta do Jedi contra o Império. Um Bem absoluto contra um mal também absoluto. No fim, a vitória era atingida através da conversão de um veículo do Mal para executor do Bem, conversão essa que exigiria sempre o seu sacrifício, o qual era a sua redenção.
Guillermo del Toro não abarca essa visão. Para ele, o Bem e o Mal não existem nos seus conceitos tradicionais, todos temos o potencial para o Bem e para o Mal em nós mesmos. A separação entre os dois campos é extremamente difusa, feita mais através de um espectro de cinzentos que permitem a mistura de características de um lado e do outro. Os "bons" nunca são puros, estão condicionados por um pecado original, enquanto que os "maus" padecem do mesmo, mas no sentido contrário: são maus porque foi assim que o fizeram. Desta visão, apenas Hellboy se afasta, mas não tanto assim.
Vejamos caso a caso.
Mimic: um grupo de cientistas cria uma espécie nova para acabar com uma praga que afecta a população nova-iorquina. Mais tarde esta nova espécie, depois de evoluir, continua a funcionar como predadora, mas agora de humanos. Os mesmos cientistas que os criaram acabam por ser os mesmos que os vão destruir. Temos portanto uma espécie que é assassina porque foi com esse intuito que foi criada e cientistas que sofrem do mal de ter criado a mesma. Há um "cheiro" a Mal a emanar do filme, isto por todos os poros. Claro que toda a acção se passa nos subterrâneos de Nova Iorque.
Blade II: um guerreiro combate uma nova espécie de vampiros criados pelos vampiros originais. Este guerreiro, Blade, é ele próprio meio vampiro, devido à mãe ter sido mordida enquanto ele estava para nascer. É portanto um vampiro marcado pelo Bem, ou um cruzado marcado pelo Mal. A sua persona é extremamente difusa e tem imensos pontos em contacto com os seus inimigos, a ponto de também precisar de sangue para recuperar dos ferimentos. A semelhança é tal que vai ao ponto de ser contactado pelos seus inimigos para combater um Mal ainda maior. No fim, depois de combates realizados essencialmente nos esgotos escuros, a redenção dos vampiros chega sob a forma de uma aurora que traz a morte.
Hellboy: o filme que mais se afasta da matriz típica, mas sem nunca a trair realmente, antes a potenciando. Um guerreiro, aparentado com um demónio, é invocado por nazis para os ajudar no combate aos aliados. Depois de ser abortada a acção, o guerreiro, ainda bebé, é levado por um especialista em paranormal, sendo adoptado por este e ensinado a combater o mal. Mais tarde, os nazis voltam para terminar o trabalho e tentar trazer o fim do mundo. Para além do óbvio contraste de ver um demónio a combater o Mal, temos o facto de um dos seus colegas ser também não-humano e de a sua outra colega, apesar da forma humana, ser uma verdadeira arauta da Morte, numa personificação da mesma através do fogo. Os nazis, em contrapartida, acabam por apresentar formas mais humanas (à excepção do assassino). Os monstros assassinos invocados pelos nazis acabam por o ser porque é assim que são por natureza, não podem ser de outro modo. O próprio Hellboy não pode mudar o que é, à excepção de cortar os chifres que lhe crescem normalmente. No fim, a diferença em relação aos outros filmes surge através das escolhas. Hellboy escolhe ser humano e renegar a sua herança demoníaca assassina e os nazis escolhem ser monstros, renegando a sua origem humana. Uma vez que Hellboy não pode ser visto pelo público, a acção desenrola-se essencialmente à noite. A sobreposição do Bem e do Mal extende-se ao ponto de Hellboy invocar um morto para o ajudar, acção normalmente associada aos cultos do Mal. Também Hellboy é rude, fumador, bebedolas. Apenas assume contornos mais "puros" quando na presença do pai ou da mulher que ama.
Del Toro passa portanto por ser uma espécie de cruzamento entre um Tim Burton que traz elementos desestabilizadores (embora del Toro o faça em ambientes já de si pouco comuns) e um David Cronenberg que cruza monstruosidades com o humano (embora del Toro deixe esse cruzamento patente desde o início, como facto, de forma a criar a anormalidade inicial). Fica a faltar-lhe talvez o golpe de asa, o momento em que poderá ascender a um patamar diferente, em que poderá colocar os seus "fantasmas" ao serviço de uma narrativa previamente definida, e não tornar os seus "fantasmas" a narrativa. Estou em crer que nesse dia o cinema ganhará uma obra prima, assim o queiram Hollywood e del Toro.
Del Toro parece ter uma fixação por monstros escuros, pelas trevas, pela luta entre o bem e o mal. no mundo de Del Toro existe sempre um mal personificado, os monstros de Mimic, os vampiros de Blade II e os nazis satânicos de Hellboy. Este é um tema que sempre tem sido caro para o cinema, seja ele americano, europeu ou outro. Esta luta pode ser feita de conflitos internos e pessoais, ou através do combate físico com um inimigo exterior. Del Toro gosta de misturar os dois e é aí que acaba por residir o interesse nos seus filmes.
Nas lutas tradicionais do Bem contra o Mal, há quase sempre características puras e impuras a caracterizarem os heróis e os vilões, respectivamente. O exemplo mais acabado desta mitologia surgiu durante a série central da Guerra das Estrelas, com a luta do Jedi contra o Império. Um Bem absoluto contra um mal também absoluto. No fim, a vitória era atingida através da conversão de um veículo do Mal para executor do Bem, conversão essa que exigiria sempre o seu sacrifício, o qual era a sua redenção.
Guillermo del Toro não abarca essa visão. Para ele, o Bem e o Mal não existem nos seus conceitos tradicionais, todos temos o potencial para o Bem e para o Mal em nós mesmos. A separação entre os dois campos é extremamente difusa, feita mais através de um espectro de cinzentos que permitem a mistura de características de um lado e do outro. Os "bons" nunca são puros, estão condicionados por um pecado original, enquanto que os "maus" padecem do mesmo, mas no sentido contrário: são maus porque foi assim que o fizeram. Desta visão, apenas Hellboy se afasta, mas não tanto assim.
Vejamos caso a caso.
Mimic: um grupo de cientistas cria uma espécie nova para acabar com uma praga que afecta a população nova-iorquina. Mais tarde esta nova espécie, depois de evoluir, continua a funcionar como predadora, mas agora de humanos. Os mesmos cientistas que os criaram acabam por ser os mesmos que os vão destruir. Temos portanto uma espécie que é assassina porque foi com esse intuito que foi criada e cientistas que sofrem do mal de ter criado a mesma. Há um "cheiro" a Mal a emanar do filme, isto por todos os poros. Claro que toda a acção se passa nos subterrâneos de Nova Iorque.
Blade II: um guerreiro combate uma nova espécie de vampiros criados pelos vampiros originais. Este guerreiro, Blade, é ele próprio meio vampiro, devido à mãe ter sido mordida enquanto ele estava para nascer. É portanto um vampiro marcado pelo Bem, ou um cruzado marcado pelo Mal. A sua persona é extremamente difusa e tem imensos pontos em contacto com os seus inimigos, a ponto de também precisar de sangue para recuperar dos ferimentos. A semelhança é tal que vai ao ponto de ser contactado pelos seus inimigos para combater um Mal ainda maior. No fim, depois de combates realizados essencialmente nos esgotos escuros, a redenção dos vampiros chega sob a forma de uma aurora que traz a morte.
Hellboy: o filme que mais se afasta da matriz típica, mas sem nunca a trair realmente, antes a potenciando. Um guerreiro, aparentado com um demónio, é invocado por nazis para os ajudar no combate aos aliados. Depois de ser abortada a acção, o guerreiro, ainda bebé, é levado por um especialista em paranormal, sendo adoptado por este e ensinado a combater o mal. Mais tarde, os nazis voltam para terminar o trabalho e tentar trazer o fim do mundo. Para além do óbvio contraste de ver um demónio a combater o Mal, temos o facto de um dos seus colegas ser também não-humano e de a sua outra colega, apesar da forma humana, ser uma verdadeira arauta da Morte, numa personificação da mesma através do fogo. Os nazis, em contrapartida, acabam por apresentar formas mais humanas (à excepção do assassino). Os monstros assassinos invocados pelos nazis acabam por o ser porque é assim que são por natureza, não podem ser de outro modo. O próprio Hellboy não pode mudar o que é, à excepção de cortar os chifres que lhe crescem normalmente. No fim, a diferença em relação aos outros filmes surge através das escolhas. Hellboy escolhe ser humano e renegar a sua herança demoníaca assassina e os nazis escolhem ser monstros, renegando a sua origem humana. Uma vez que Hellboy não pode ser visto pelo público, a acção desenrola-se essencialmente à noite. A sobreposição do Bem e do Mal extende-se ao ponto de Hellboy invocar um morto para o ajudar, acção normalmente associada aos cultos do Mal. Também Hellboy é rude, fumador, bebedolas. Apenas assume contornos mais "puros" quando na presença do pai ou da mulher que ama.
Del Toro passa portanto por ser uma espécie de cruzamento entre um Tim Burton que traz elementos desestabilizadores (embora del Toro o faça em ambientes já de si pouco comuns) e um David Cronenberg que cruza monstruosidades com o humano (embora del Toro deixe esse cruzamento patente desde o início, como facto, de forma a criar a anormalidade inicial). Fica a faltar-lhe talvez o golpe de asa, o momento em que poderá ascender a um patamar diferente, em que poderá colocar os seus "fantasmas" ao serviço de uma narrativa previamente definida, e não tornar os seus "fantasmas" a narrativa. Estou em crer que nesse dia o cinema ganhará uma obra prima, assim o queiram Hollywood e del Toro.
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