sexta-feira, setembro 10, 2004

Nova fórmula?

M. Night Shyamalan surgiu, em 1999, como um raio caído do céu, a falar de mortos infelizes e de crianças perturbadas, com o já famoso «I see dead people!» - The Sixth Sense. Neste filme levou ao auge a técnica do twist cinematográfico, uma ferramenta que nada tinha de novo mas que servia aqui uma narrativa simultâneamente mainstream e indie.

Com Unbreakable, o escritor/realizador estendia ainda mais o seu sentido programático: personagens perturbadas e desajustadas, mas acomodadas à sua vida, que eram perturbadas por um elemento novo que surgia de fora. Repetia-se um actor, Bruce Willis, com uma personagem tão fraca interiormente como forte exteriormente. Outra constante de que Shyamalan não prescindia eram as imagens por reflexos, fossem espelhos, maçanetas de portas ou outras, normalmente baços ou sujos, como que a dizer que a visão vinha distorcida, não era a original.

Com Signs o filme mantém alguns dos elementos comuns. Mantém-se a personagem perturbada, neste caso a família é a personagem em si mesma, com cada elemento a fazer parte de um todo que continuava não completo. Neste filme, com o cerco da casa, Shyamalan recuperava o suspense à Hitchcock. O twist mantinha-se mas mais subtil. Como em Hitchcock os elementos estavam todos lá: havia realmente extraterrestres, mas acreditávamos permanentemente que não fosse esse o caso. O twist final vinha na forma da visão do alien, na confirmação da sua existência real.

Em todos estes filmes tínhamos personagens aleijadas emocionalmente e para quem o evoluir da situação acabava por "curar" os problemas.

Com The Village começamos a ver uma variação nesta fórmula. As personagens da aldeia - mais um povoado que uma aldeia, para dizer a verdade - estão também magoadas com algo que viveram no passado, embora esse algo apenas seja explicado cabalmente no fim do filme. O sentimento de perda é, aliás, assumido desde o início, que começa com um enterro de uma criança. Mais tarde vemos que a celebração de um casamento se processa de forma semelhante ao almoço do funeral da criança enterrada. Os rituais estão estilizados, assim como as regras. Há uma sensação de necessidade de regras rígidas para fugir à dor.

Outra coisa que está ausente é a religião. Este ponto é tão mais premente pelo facto de o filme anterior de Shyamalan se focar num antigo pastor em crise de fé. A aldeia da história segue as regras típicas dos colonos americanos. Muita sobriedade, insistência no cavalheirismo e uma comunidade de tal modo fechada em si mesma que parece hamish. O elemento que dá a discordância é mesmo a ausência de religião.

The Village acaba por ser uma sequência lógica na obra de Shyamalan. O grupo de personagens alarga-se. A figura da personagem transgressora aprofunda-se e fica mais adulta - começava por ser o suicida de The Sixth Sense, um adulto preso à criança perdida, passava pelo filho de Bruce Willis e de Mel Gibson em Unbreakable e Signs - para terminar na personagem de Joaquin Phoenix neste mais recente filme. Um twist curioso surge ao nível do fantástico: passa a ser mais evidente desde o início, embora a sua imagem se dilua no fim. O próprio conceito de twist surge mais leve, embora apareça por três vezes. O ambiente que Shyamalan tenta construir no filme assemelha-se ao anterior, mas há um ponto que falha: demasiadas personagens.

Shyamalan parece atingir um limite com este filme. Perde-se com a quantidade de relações inter-pessoais, a aldeia aparenta ser mais uma manta de retalhos de relações a dois que propriamente um organismo vivo. Mesmo na perspectiva da existência de uma dor interior, Shyamalan parece perder-se um pouco. Salva-o o facto de ter recrutado um belo conjunto de actores, sendo uma verdadeira revelação o surgimento de Bryce Dallas Howard, filha do realizador Ron Howard.

No final fica a ideia de um realizador em busca de uma nova fórmula para a sua obra, mesmo que o tente fazer sem perder os pontos habituais de referência. Já chamaram a M. Night Shyamalan o novo Spielberg. Isso pode ser bem verdade em alguns pontos, mas é preciso ser cumprido noutro: a mudança de género e estilo para concretizar o ecletismo de um programa. Enquanto não o fizer, poderá arriscar-se a ser considerado apenas como um Peter Pan: um realizador que nunca cresceu.