Os custos da acção
Na passada sexta feira, o suplemento Y do Público trazia um interessante artigo sobre o cada vez menor sucesso dos filmes de acção. Numa reflexão elucidativa - sobre o fenómeno e sobre aquilo que dele pensam os seus autores - chegava-se à conclusão que eram os espectadores que estariam a mudar, ao preferirem heróis mais humanos e mais identificáveis.
Ora, sendo esta uma análise correcta, creio que esconde o verdadeiro alcance do fenómeno. O desejo de ver heróis mais humanos preder-se-à, a meu ver, com três razões distintas, umas mais óbvias que outras.
A primeira e mais óbvia é o aumento de público feminino. O cinema de acção foi, em tempos, um género de homens, por homens e para homens. Só assim se justificaria que actores como Schwarzenegger e Stallone, homens que apenas tinham músculos e nenhum charme, poderiam ser enormes estrelas de cinema. Os seus espectadores não tinham problemas com a sua aparência, o que interessava era mesmo a sua capacidade de matar um regimento co uma rajada de metralhadora. O aumento de espectadores do sexo feminino veio aumentar também o seu número - e mais importante ainda, a sua proporção - no género de acção. As mulheres, "vindas" de um género mais sentimental como o drama, exigiram uma acção mais integrada com o sentimental e com a realidade. Os heróis -e por extensão, as heroínas - teriam de ser mais convincentes, capazes de sofrer física e psicologicamente, teriam de ser influenciados também a nível emocional pelas situações que viviam. Alguns autores perceberam isso e assim surgiram novos heróis: Bruce Willis - figura exposta ao sadismo de McTiernan em Die Hard; Sigourney Weaver - contra-corrente na altura, mas heroína solitária e por necessidade em Alien de Riddley Scott; ou mesmo Arnold Schwarzenegger - primeiro no Terminator 2, dando um apoio emocional à criança John Connor e à mulher Sarah Connor, e depois numa reinvenção fantástica com dois filmes, True Lies, incorporando a mulher na sua vida de espião infalível, e em Last Action Hero, em que satirizava a sua própria imagem, tornando-se, por via da magia, em ser real e mortal.
A segunda razão, menos óbvia mas mais imediata, está ligada ao 11 de Setembro. Sendo o género de acção hollywoodesco, é óbvio que a sua construção estará dependente do imaginário americano. Com o 11 de Setembro, a fragilidade americana ficou exposta, uma fragilidade que não se compadece com heróis invencíveis e imortais. Os novos heróis foram bombeiros e polícias - não necessariamente the best around, frase recorrente no cinema de acção - que morriam no desempenho das suas funções, entre medos e ferimentos, mas com a consciência que o dever tinha que ser cumprido. Realizadores mais perspicazes notaram isso e incorporaram-no nas suas histórias - tal como Spielberg com o seu recente War of the Worlds, onde o seu herói era uma pessoa normal que apenas tinha o defeito de ver toda a gente que lhe importava sobreviver numa situação em que mais ninguém o conseguia. Mesmo uma produção muito agarrada ainda ao passado, como Mr.&Mrs. Smith mantém essa imagem de fragilidade na sequência final que, ainda que irreal, acrescenta uns óbvios coletes à prova de bala aos heróis, coletes esses que acabam crivados de tiros.
A terceira razão, e menos óbvia ou imediata, é a internet. Quem apontar a internet como factor de interesse que compete com o cinema estará certo, mas não é só por isso. Nem sequer devido aos downloads ilegais de filmes. O problema está no acesso à informação que disponibiliza, especialmente de teor cinetífico. Qualquer criança começa a conseguir saber os limites de um corpo humano, consegue saber que uma bala não mata ninguém imediatamente se atingir o estômago, independentemente de quem a dispara; um tiro não explode um carro e, acima de tudo, não existem super-heróis e qualquer das façanhas que tentam mataria facilmente qualquer humano normal. Há um choque da ficção com a realidade que as crianças rejeitam e as faz preferir um videojogo que, pelo menos, tem o desafio de não saberem se serão mortas ou não pelo inimigo ao virar de qualquer esquina.
Qual o caminho então a partir daqui? Parece-me óbvio: a realidade. Mas uma realidade, digamos... "irreal". Uma realidade de pessoas normais em situações anormais. O relativo insucesso de um filme como Ladder 49 prende-se com a sua realidade real: o dia a dia de um agrupamento de bombeiros. Nada de anormal se passava, as situações com que se deparavam eram as mesmas que um grupo de bombeiros terá pela frente na vida real. Os espectadores não querem isso, querem antes situações extremas em que o herói - ou heroína, cada vez mais desejável - sejam submetido a um acontecimento que o faz socorrer-se das suas manhas mais escondidas a fim de sobreviver. O desafio passará a estar não nos efeitos especiais - já de si quase ilimitados graças ao digital - mas antes nas hitórias. Os argumentos terão de ser verosímeis e coerentes. O tempo para os espectadores vazios de cérebro passou - esses vão ver as escatologias ditas de comédia que por aí andam aos montes - agora os espectadores querem pebsar um pouco. Não muito, mas precisam de ser desafiados. Tal como os produtores.
Ora, sendo esta uma análise correcta, creio que esconde o verdadeiro alcance do fenómeno. O desejo de ver heróis mais humanos preder-se-à, a meu ver, com três razões distintas, umas mais óbvias que outras.
A primeira e mais óbvia é o aumento de público feminino. O cinema de acção foi, em tempos, um género de homens, por homens e para homens. Só assim se justificaria que actores como Schwarzenegger e Stallone, homens que apenas tinham músculos e nenhum charme, poderiam ser enormes estrelas de cinema. Os seus espectadores não tinham problemas com a sua aparência, o que interessava era mesmo a sua capacidade de matar um regimento co uma rajada de metralhadora. O aumento de espectadores do sexo feminino veio aumentar também o seu número - e mais importante ainda, a sua proporção - no género de acção. As mulheres, "vindas" de um género mais sentimental como o drama, exigiram uma acção mais integrada com o sentimental e com a realidade. Os heróis -e por extensão, as heroínas - teriam de ser mais convincentes, capazes de sofrer física e psicologicamente, teriam de ser influenciados também a nível emocional pelas situações que viviam. Alguns autores perceberam isso e assim surgiram novos heróis: Bruce Willis - figura exposta ao sadismo de McTiernan em Die Hard; Sigourney Weaver - contra-corrente na altura, mas heroína solitária e por necessidade em Alien de Riddley Scott; ou mesmo Arnold Schwarzenegger - primeiro no Terminator 2, dando um apoio emocional à criança John Connor e à mulher Sarah Connor, e depois numa reinvenção fantástica com dois filmes, True Lies, incorporando a mulher na sua vida de espião infalível, e em Last Action Hero, em que satirizava a sua própria imagem, tornando-se, por via da magia, em ser real e mortal.
A segunda razão, menos óbvia mas mais imediata, está ligada ao 11 de Setembro. Sendo o género de acção hollywoodesco, é óbvio que a sua construção estará dependente do imaginário americano. Com o 11 de Setembro, a fragilidade americana ficou exposta, uma fragilidade que não se compadece com heróis invencíveis e imortais. Os novos heróis foram bombeiros e polícias - não necessariamente the best around, frase recorrente no cinema de acção - que morriam no desempenho das suas funções, entre medos e ferimentos, mas com a consciência que o dever tinha que ser cumprido. Realizadores mais perspicazes notaram isso e incorporaram-no nas suas histórias - tal como Spielberg com o seu recente War of the Worlds, onde o seu herói era uma pessoa normal que apenas tinha o defeito de ver toda a gente que lhe importava sobreviver numa situação em que mais ninguém o conseguia. Mesmo uma produção muito agarrada ainda ao passado, como Mr.&Mrs. Smith mantém essa imagem de fragilidade na sequência final que, ainda que irreal, acrescenta uns óbvios coletes à prova de bala aos heróis, coletes esses que acabam crivados de tiros.
A terceira razão, e menos óbvia ou imediata, é a internet. Quem apontar a internet como factor de interesse que compete com o cinema estará certo, mas não é só por isso. Nem sequer devido aos downloads ilegais de filmes. O problema está no acesso à informação que disponibiliza, especialmente de teor cinetífico. Qualquer criança começa a conseguir saber os limites de um corpo humano, consegue saber que uma bala não mata ninguém imediatamente se atingir o estômago, independentemente de quem a dispara; um tiro não explode um carro e, acima de tudo, não existem super-heróis e qualquer das façanhas que tentam mataria facilmente qualquer humano normal. Há um choque da ficção com a realidade que as crianças rejeitam e as faz preferir um videojogo que, pelo menos, tem o desafio de não saberem se serão mortas ou não pelo inimigo ao virar de qualquer esquina.
Qual o caminho então a partir daqui? Parece-me óbvio: a realidade. Mas uma realidade, digamos... "irreal". Uma realidade de pessoas normais em situações anormais. O relativo insucesso de um filme como Ladder 49 prende-se com a sua realidade real: o dia a dia de um agrupamento de bombeiros. Nada de anormal se passava, as situações com que se deparavam eram as mesmas que um grupo de bombeiros terá pela frente na vida real. Os espectadores não querem isso, querem antes situações extremas em que o herói - ou heroína, cada vez mais desejável - sejam submetido a um acontecimento que o faz socorrer-se das suas manhas mais escondidas a fim de sobreviver. O desafio passará a estar não nos efeitos especiais - já de si quase ilimitados graças ao digital - mas antes nas hitórias. Os argumentos terão de ser verosímeis e coerentes. O tempo para os espectadores vazios de cérebro passou - esses vão ver as escatologias ditas de comédia que por aí andam aos montes - agora os espectadores querem pebsar um pouco. Não muito, mas precisam de ser desafiados. Tal como os produtores.
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