Tery Gilliam deu-se a conhecer ao mundo quando se juntou aos Monty Python. Na altura, à falta de alguém que realizasse os filmes do grupo, atirou-se com a tarefa para cima de Gilliam e de Terry Jones. Mais tarde, depois do fim do grupo, Gilliam atirou-se para a realização em nome próprio. Para terminar a introdução, lembra-se um pormenor insignificante - e daí talvez nem tanto - de Gilliam ser o único americano da pandilha.
Isto a propósito de quê? De nada, que é como quem diz, do seu novo filme,
The Brothers Grimm. Como sempre em Gilliam, o filme parte de premissas curiosas. A ideia é fazer uma adaptação livre - extremamente livre - de uma parte da vida de Jacob e Willhelm Grimm usando os seus contos como motor da acção - para quem quiser saber de que raio se está a falar, favor vir ler
aqui e ficar a saber que histórias como a Branca de Neve ou a Bela Adormecida, antes de serem recriadas por Disney, saíram da pena destes dois caçadores-recolectores de histórias e lendas populares. Qual o problema então? Bom, tudo. As histórias aparecem aos engulhos, em sistema
ad-hoc, e sem adicionarem nada de particular ao filme.
Resumo rápido: Jacob e Willhelm - aqui chamados, para simplificar a coisa aos anglófonos e talvez aos actores, de Jake e Will - são
desfazedores de maldições. Ou seja, andam de terra em terra à procura de quem lhes pague para enviar de vez para o outro mundo as bruxas, trolls e duendes que ameaçam uma povoaçãozinha. Claro que nada disto existe e eles apenas se aproveitam das lendas locais para encenar tais assombrações e extorquir o dinheiro. São, em suma, uns charlatões. O problema é quando são enviados para lidar com uma maldição bem real que envolve uma rainha-bruxa-má e umas crianças a desaparecer. E é aqui que o filme descamba completamente.
A ideia era mostrar como este episódio teria dado origem às suas histórias. Existem duas crianças, de nome Hansel e Gretel a desaparecer. A bruxa-rainha-má está isolada numa torre e deixa crescer longos cabelos que chegam ao chão. Há um lobo mau numa floresta ainda pior e uma menina com um capuz vermelho que desaparece. A rainha-má-bruxa diz que é a mais bela de todas e vê-se permanentemente ao espelho. No final, um beijo de verdadeiro amor salva o dia. Há sapos a serem lambidos, migalhas de pão para marcar o caminho a serem comidas pelos corvos e sei lá que mais. Pelo meio há também um Matt Damon que não sabe muito bem o que tem de fazer e um Heath Ledger que, dentro da medíocridade geral, nem está muito mal. Há também Lena Headley, presença luminosa mas demasiado mal dirigida - passa de amazona a donzela com demasiada facilidade, apenas porque issos erve os interesses de Gilliam. Há também uma ocupação francesa na Alemanha que pode muito bem ser historicamente real, mas que nada serve para a história a não ser para fornecer uns comic reliefs mal ensaiados e que em nada fazem rir, antes aborrecem de morte. Depois há também um italiano sádico, sanguinário e cobarde que, no fim, se transforma em salvador do filme - e já agora do livro - e que é desempenhado pelo escandinavo Peter Stormare.
Confusão? Pois é, muita. É como na cabeça de Gilliam. É que, sejamos sinceros, depois dos Python, Gilliam ainda fez apenas um - e um só - bom filme:
Brazil. Depois disso fez um asco -
Twelve Monkeys - e dois filmes que eram salvos pelos actores:
Fisher King e
Fear and Loathing in Las Vegas. Fez também um filme que pode ser considerado um precursor deste:
The Adventures of Baron Munchausen. Em todos estes filmes padeceu do mesmo problema - até em Brazil, mas neste era o início, por isso não cansava e conseguia ser interessante - que é o excesso de ideias e de delírios. Mistura realidade, fantasia, sonhos, desejos e sei lá mais o quê - em Fear and Loathing... até metia trips de droga. Isto seria tudo muito giro, não é muito diferente do que era feito com os Monty Python. Só que... faltam-lhe os Monty Python. Falta-lhe a seriedade de Cleese ou Chapman, a "cola" de Jones, o
overacting em
underacting -
if you know what I mean - de Palin e Idle. Falta-lhe, portanto, estrutura. The Brothers Grimm não foge à regra. Com a agravante de não ter actores - nem sequer personagens - para se suportar. O filme tem de tudo em excesso, sem ter nada de substancial para mostrar.
Conclusão final? Tirem a referência aos irmãos Grimm, a parte com franceses, talvez o italiano, reduzam os heróis a um só com um romance decente com a donzela em apuros, tornem o filme mais preto e branco, portanto, e metam-lhe um realizador de filmes de aventuras. Um tarefeiro competente, portanto. O filme passará a ser digerível, será mais barato e fará dinheiro no box-office de Verão. Assim, tal como está, é um desperdício de tudo. Especialmente do nome que Gilliam ainda vai tendo.