Os útimos dias de um fantasma
Com a filmagem de Last Days, Gus van Sant não filmou os últimos dias de Kurt Cobain. A quem tivesse escapado que o nome do cantor, no filme, é Blake, poderá ler no final o aviso de van Sant que o filme apenas se baseou em Kurt Cobain, que o filme é, essencialmente, uma obra de ficção.
Este aviso vem, no entanto, desnecessariamente. O van Sant não filma realmente os ultimos dias de vida de Kurt Cobain ou sequer de Blake. A câmara nunca se aproxima de Blake, à excepção de dois momentos, ambos de perda emocional, em que vemos finalmente a face de Blake de perto. Van Sant coloca a câmara apenas a seguir Blake, num processo de perda e de queda inexorável, em que vai perdendo cada vez mais o contacto com o mundo que o rodeia. Aliás, se o filme começa com um dos passeios de Blake pela floresta, onde parece estar livre e sentir um arremedo de felicidade, à medida que o tempo passa vamos vendo Blake cada vez mais confinado à casa e à estufa, onde se refugia para escrever e estar consigo mesmo.
O filme não tem um argumento real, não tem porque não há onde o ancorar. Van Sant prefere antes semear símbolos pelo filme todo. Aquando da música insrumental que toca, vemos a câmara a afastar-se, muito lentamente, da janela onde vemos Blake a tocar, como que simbolizando um afastamento entre este e o mundo que já não o aceita. Outro aspecto caricato surge com a visita do vendedor das páginas amarelas, durante a qual, na sala onde conversam, é possivel ver um quadro com vários cães a rodear e atacar um veado, talvez simbolizando o cerco que os fãs, amigos, agentes, etc, fazem a Blake, cerco ao qual Blake vai sempre tentando fugir, seja física seja musicalmente. É ainda curioso que os únicos sinais de salvação, os sinos de uma igreja que se ouvem ao longe por três vezes no filme ou a visita dos mormons, são totalmente ignorados por Blake, num tota desinteresse pelo caminho alternativo que a sua vida poderia tomar.
O resultado final é o que se imagina e espera, como que num acto voyeur à espera do clímax. Clímax esse que é absolutamente anti-climático. Não vemos um suicídio, van Sant não especula a esse nível. Os amigos abandonam-no simplesmente quando ele já nada lhes dá. Pouco depois, vemos um fantasma de Blake - se é que se pode falar de um fantasma quando Blake é apenas um espírito ao longo do filme - a abandonar o corpo, como que surpreso pela sua própria morte, e ascende, por uma escada invisível, ao céu, o mesmo céu que apenas é visto indirectamente, por reflexos ou no fundo de alguns planos, como que inacessível pelos meios ordinários.
Palavra para Michael Pitt. Pitt não tem realmente que representar. Não há uma espressividade de Blake para ser trabalhada, não há diálogo para memorizar, não há interacção com actores para complicar. Só que isso não torna a sua tarefa mais simples. Pitt tem de viver, literalmente, a sua personagem. Pitt torna-se Blake, os murmúrios são seus, a escrita também e até a música de Blake é dele. Pitt acabou por viver a vida de Blake e, indirectamente, a de Cobain. Consegue ser patético, ausente, perdido e alheado. Mas é também digno de pena, incontornável e sedutor.
Pitt abraça a persona de Cobain/Blake e dá-nos, finalmente uma imagem para adorar e ler e, talvez, compreender. Apenas van Sant não o deseja: Blake torna-se outra imagem, no final, apenas uma história na televisão e as notas de uma guitarra dedilhada em fuga. Van Sant não quis fazer moral nem interpretar a morte de Cobain. Apenas a tratou pelo lado icónico e isso, agora, será tudo quanto teremos para ver.
Este aviso vem, no entanto, desnecessariamente. O van Sant não filma realmente os ultimos dias de vida de Kurt Cobain ou sequer de Blake. A câmara nunca se aproxima de Blake, à excepção de dois momentos, ambos de perda emocional, em que vemos finalmente a face de Blake de perto. Van Sant coloca a câmara apenas a seguir Blake, num processo de perda e de queda inexorável, em que vai perdendo cada vez mais o contacto com o mundo que o rodeia. Aliás, se o filme começa com um dos passeios de Blake pela floresta, onde parece estar livre e sentir um arremedo de felicidade, à medida que o tempo passa vamos vendo Blake cada vez mais confinado à casa e à estufa, onde se refugia para escrever e estar consigo mesmo.
O filme não tem um argumento real, não tem porque não há onde o ancorar. Van Sant prefere antes semear símbolos pelo filme todo. Aquando da música insrumental que toca, vemos a câmara a afastar-se, muito lentamente, da janela onde vemos Blake a tocar, como que simbolizando um afastamento entre este e o mundo que já não o aceita. Outro aspecto caricato surge com a visita do vendedor das páginas amarelas, durante a qual, na sala onde conversam, é possivel ver um quadro com vários cães a rodear e atacar um veado, talvez simbolizando o cerco que os fãs, amigos, agentes, etc, fazem a Blake, cerco ao qual Blake vai sempre tentando fugir, seja física seja musicalmente. É ainda curioso que os únicos sinais de salvação, os sinos de uma igreja que se ouvem ao longe por três vezes no filme ou a visita dos mormons, são totalmente ignorados por Blake, num tota desinteresse pelo caminho alternativo que a sua vida poderia tomar.
O resultado final é o que se imagina e espera, como que num acto voyeur à espera do clímax. Clímax esse que é absolutamente anti-climático. Não vemos um suicídio, van Sant não especula a esse nível. Os amigos abandonam-no simplesmente quando ele já nada lhes dá. Pouco depois, vemos um fantasma de Blake - se é que se pode falar de um fantasma quando Blake é apenas um espírito ao longo do filme - a abandonar o corpo, como que surpreso pela sua própria morte, e ascende, por uma escada invisível, ao céu, o mesmo céu que apenas é visto indirectamente, por reflexos ou no fundo de alguns planos, como que inacessível pelos meios ordinários.
Palavra para Michael Pitt. Pitt não tem realmente que representar. Não há uma espressividade de Blake para ser trabalhada, não há diálogo para memorizar, não há interacção com actores para complicar. Só que isso não torna a sua tarefa mais simples. Pitt tem de viver, literalmente, a sua personagem. Pitt torna-se Blake, os murmúrios são seus, a escrita também e até a música de Blake é dele. Pitt acabou por viver a vida de Blake e, indirectamente, a de Cobain. Consegue ser patético, ausente, perdido e alheado. Mas é também digno de pena, incontornável e sedutor.
Pitt abraça a persona de Cobain/Blake e dá-nos, finalmente uma imagem para adorar e ler e, talvez, compreender. Apenas van Sant não o deseja: Blake torna-se outra imagem, no final, apenas uma história na televisão e as notas de uma guitarra dedilhada em fuga. Van Sant não quis fazer moral nem interpretar a morte de Cobain. Apenas a tratou pelo lado icónico e isso, agora, será tudo quanto teremos para ver.
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