quarta-feira, julho 20, 2005

Guerra de Mundos

Ora bem, já que surgiram aqui três posts sobre o War of the Worlds de Spielberg, aqui, aqui e aqui, decidi que seria uma boa opção para regressar a estas lides. Tentarei fazê-lo de forma breve.

Primeira reflexão: Spielberg não sabe filmar mal. O ataque inicial está fabuloso no pânico que reproduz ao mesmo tempo que incorpora situações de bloqueio de algumas pessoas e momentos de curiosidade antes do desastre - exemplar a cena do homem que aproveita para gravar a chegada dos tripods com a sua camcorder. Da mesma forma, Spielberg não cai no facilitismo de mostrar muitas cenas de destruição, esta está filmada rente ao solo e dando a perspectiva das vítimas.

Segunda reflexão: como diz o Jorge, a fotografia de Janusz Kaminski vale um filme por si só. O bilhete fica pago só com o seu trabalho e dá prazer olhar para o ecrã, independentemente da qualidade do filme.

Terceira reflexão: Os efeitos especiais estão excelentes. Muito boa alternância entre digital e imagem real, Spielberg aproveitou bem as novas possibilidades tecnológicas sem se esquecer que os cenários mais realistas são precisamente os reais.

A partir daqui estamos no domínio do medíocre. Spielberg não se decide entre o conflito pessoal e familiar de Ray. Vai dando uns arremedos a Dakota Fanning e Justin Chatwin para construírem as suas personagens mas sem se demorar muito no assunto - aliás, problema habitual nos filmes de Cruise: ele é a estrela e mais ninguém tem direito à luz. Por outro lado, Tom Cruise não é convincente no seu papel. Não espanta que o seu momento mais bem conseguido seja aquele em que consegue explodir um tripod, afinal de contas está habituado a ser herói. Também não parece conseguir decidir-se entre filmar o ataque ou ficar com a família.

O resultado final é um filme que não se consegue decidir entre a melhor forma de ser abordado. É um facto que isso, nas mãos da esmagadora maioria dos realizadores implicaria um filme desastrado e desastroso e que com Spielberg não deixa de ser um bom filme. Fica, no entanto, a ideia que com outros actores, menos famosos, e com mais distribuição do "tempo de antena", o filme poderia ter descolado muito mais alto.

Nota final para dois pontos terríveis. O primeiro é a voz-off. Um frete de Morgan Freeman sem razão e que nada adianta à história. Explica quando não há necessidade de explicar. Outro ponto é a sequência da cave. Mais uma vez supérflua, feita para dar um momento dramático ao filme e que poderia ter sido aproveitado para explorar melhor as outras personagens - a do filho desaparece para não incomodar as estrelas. Algo que parece ter sido tirado de um qualquer outro argumento de David Koepp e enfiado ali à pressão.

Final? Um filme à la Terminal, sem chama para lá das dos ET's e que nada adianta à cinematografia de extraterrestres, de Spielberg ou sequer de Cruise. Fica apenas mais um excelente momento de Kaminski.

PS - a cena da sonda não me lembra absolutamente nada o Parque Jurássico, antes me parece decalcadíssima do The Abyss de Cameron.

domingo, julho 17, 2005

Guerra dos Mundos, terceiro post

Na cinesfera, já se falou bem e mal do final de Guerra dos Mundos (eu próprio me refiro a ele no post abaixo). Ainda não se disse, no entanto, algo que não pode ser esquecido: "ex machina" ou não, independentemente do efeito pretendido por Spielberg, a morte-surpresa dos extraterrestres por bactérias terrestres vem do próprio livro de H.G. Wells (pode-se fazer download aqui, é o livro mais visto do momento no Project Gutenberg). Aqui ficam duas citações:
Here and there they were scattered, nearly fifty altogether, in that great gulf they had made, overtaken by a death that must have seemed to them as incomprehensible as any death could be. To me also at that time this death was incomprehensible. All I knew was that these things that had been alive and so terrible to men were dead. For a moment I believed that the destruction of Sennacherib had been repeated, that God had repented, that the Angel of Death had slain them in the night.

At any rate, in all the bodies of the Martians that were examined after the war, no bacteria except those already known as terrestrial species were found. That they did not bury any of their dead, and the reckless slaughter they perpetrated, point also to an entire ignorance of the putrefactive process. But probable as this seems, it is by no means a proven conclusion.

sábado, julho 16, 2005

Porque é que não concordo com o João Vaz

(ATENÇÃO: LER ESTE POST PODE ESTRAGAR O FILME A QUEM AINDA NÃO O VIU)

Sim, sou suspeito, porque gosto muito de Steven Spielberg - mesmo havendo tantos Spielbergs como há Brasis (o Spielberg terrorista, o Spielberg adulto, o Spielberg aventureiro, o Spielberg do medo, o Spielberg da família, o Spielberg da solidão) -, mas não posso concordar contigo, João, quando consideras a Guerra dos Mundos como "um mero emaranhado de efeitos especiais". Não o é. Não foi o meu filme preferido de Spielberg e não sei mesmo se se poderá considerar um "filme superior" na carreira do realizador, mas há momentos que são pontos culminantes de um percurso.

Primeiro, Spielberg adapta para o entretenimento, e num contexto desligado do próprio 11 de Setembro (ao contrário de "A Última Hora", de Spike Lee, por exemplo), a cultura imagética do 11 de Setembro. Os et's destroem Nova Iorque - como filmar a destruição de Nova Iorque? A câmara, baixa, à frente das pessoas que fogem com uma nuvem de pó nas costas; a cena arrepiante da chegada de Tom Cruise a casa descobrindo-se coberto de caliça - aquele olhar, aquele olhar, aquele olhar tem passado, diz qualquer coisa que não é dita, passa-se algo dentro daquela personagem que nós só podemos adivinhar. E a personagem de Cruise vai ser, até ao fim, uma conquista: o dilema de Cruise é muito mais consigo próprio do que com os seus filhos, e por isso é que não importa muito que os filhos fiquem com ele ou com a mãe. Nada vulgar.

Depois, o elemento da família: como Spielberg disse, hoje, depois de nove filhos, nunca conseguiria filmar a personagem principal a abandonar mulher e prole, como fazia o Richard Dreifuss de "Encontros Imediatos de Terceiro Grau". Curiosa, esta evolução de um elemento temático e estilístico. Curioso também o modo de contar o conflito de Cruise na sequência da cave: Dakota Fanning a encarnar o espectador, que não consegue encontrar outra solução que não a de Cruise matar Robbins e, assim, reflectir o dilema moral de um homem que, do trabalho à vida familiar, só conseguiu sobreviver rompendo os obstáculos (sim, eu sei, soa piroso).

E algo de que vou sempre à procura num Spielberg: a luz belíssima, expressiva, de uma ressonância ética sem igual, de Janusz Kaminski. Reparem como este elemento tão simples, tão primordialmente do cinema, está ali a servir o Bem ou o Mal (quase invariavelmente o Mal - ver "Minority Report"), como se vai aprofundando em força expressiva a cada filme que passa.

Do que não gostei: do narrador, principalmente da tirada final sobre Deus, quando Deus não é chamado a um filme de pessoas; de puxar a personagem de Robbins para um indício de pedofilia, claramente aproveitando o embalo da imagem conseguida pelo actor em "Mystic River"; da entrada da sonda extraterrestre na cave, o que foi formatado de outros filmes de Spielberg (muito do "Parque Jurássico", algo do "Relatório Minoritário"); um final algo repentino, se bem que de acordo com a história do livro, mas que deixa a sensação que, para ficar aconchegadinho, ainda era preciso um bom quarto de hora de filme.