segunda-feira, março 29, 2004

Filmes que marcam
Teria eu uns 10 anos quando deu um filme do Fritz Lang na televisão e que se chamava O Tigre de Eschnapur. O dito filme, passado numa altura em que a RTP era a única televisão em Portugal, foi exibido num sábado à noite, por volta das 11 horas. Tínhamos em casa a nossa televisão a cores nova, a primeira que comprámos - ainda por lá anda, a funcionar como se tivesse saído ontem da fábrica... bem, quase... - e permitiu-me ver aquele filme num deslumbrante Technicolor (Eastmancolor, segundo o sempre esclarecedor IMDb) que me deslumbrou.

Fritz Lang a cores? Foi em 1959, muito tempo depois do M ou do Metropolis, portanto. O filme fazia parte de um díptico (penso eu) que se seguia com O Túmulo Indiano, que acabou porser exibido pela RTP uma semana depois, exactamente no mesmo espaço (que saudades dos tempos em que se podiam ver bons filmes a horas aceitáveis e com uma determinada lógica na televisão estatal).

A história contava qualquer coisa sobre um arquitecto na Indía que descobria um túmulo e metia umas quantas referências culturais e místicas do país. Que teve então este filme de especial? Claro que se tratava de um Lang, como tal teria de ser especial, mas na altura o nome Fritz Lang nada me diria. Mas foi um filme que me deixou pegado à televisão durante toda a sua duração, imune (ou pelo menos indiferente) ao sono e à fome que me lembro que me assaltavam. Mais, foi o filme que eu vi, em deterimento do da RTP1 que seria certamente mais comercial e, como tal, mais apelativo ao imaginário de uma criança de 10 anos.

Aquele momento, verdadeiramente mágico para mim, deu-me a perceber o prazer e o fascínio que o cinema me davam. Mais tarde acabei por perceber que esse fascínio era tanto maior quanto maior era a obra. Dei por mim a rejeitar os westerns bacocos do Roy Rodgers e a ficar apaixonado pelos de John Ford. Comecei a apreciar mais o Truffaut ou o Goddard que os Laços de Ternura e Kramer contra Kramer que pululavam na altura no cinema americano.

As minhas escolhas pessoais em termos de cinema foram sendo - e são-no ainda - formadas ao longo do tempo, mas nunca me esqueci daquele momento em que vi um filme, alemão - língua que desconhecia por completo na altura - às tantas da noite (numa altura em que a hora de deitar estava ultrapassada há muito) e que me deixou deslumbrado pela força da arte.

Muitas outras situações semelhantes tive entretanto. Poderei contá-las, mas por hoje fecho aqui o albúm de recordações.
A pedido...
Fizeram-nos um pedido para escrevermos uns posts, enchermos o blog. Pois aqui seguirá, ainda que com uns dias de atraso.

quinta-feira, março 25, 2004

Imaginava que fosse isso. Quanto ao Cristo, acho que só para a semana. Mas fica aqui a promessa!

quarta-feira, março 24, 2004

Foi culpa minha, não me expliquei convenientemente. Não defendo minimamente esse controlo. Apenas quis dizer que o controlo por vezes obriga os artistas a criar alternativas dentro do seu trabalho o que implica, frequentemente, a um aumento da qualidade da arte.

O problema é que isso apenas acontece com os génios. E nem sempre. Com os restantes, o controlo provoca uma diminuição da qualidade. Por isso, esse mesmo controlo, ou censura, nunca deveria existir.

Já agora, para quando um comentário ao "The Passion of the Christ"? Conto vê-lo este fim de semana e depois cá escreverei qualquer coisa.
JSA, obrigado pelo conselho, mas defendes uma política de controlo da cultura e da liberdade de expressão como condição para a qualidade das obras de arte? Não entendi bem.

terça-feira, março 23, 2004

A necessidade aguça a criatividade?
Pedro Almodovár terá vindo manifestar contentamento pelos resultados eleitorais de Espanha. Diz ele que agora a Espanha volta a ser democrática e livre. Desta forma, poder-se-à deduzir que Almodovár terá a tentação de transpor para o cinema essa repressão de liberdade vivida durante os anos PP.

Não pretendo entrar pelos caminhos da política nem analisar se o Enfant Térrible do cinema espanhol terá ou não razão. Apenas gostaria de levantar a questão de, admitindo por agora que há razão para a afirmação, esta opressão ter resultado nos melhores filmes da carreira de Almodovár (La Flor de mi Secreto, Todo sobre mi Madre e Hable con Ella).

Será que isto significa que o controlo estatal resultou em filmes de melhor qualidade? Sob certa medida sim. Não da forma directa que se poderia deduzir destes dados, mas sob a forma de uma "fuga para a frente" que os realizadores tendem a encetar quando vêm as suas liberdades criativas cerceadas.

Por outras palavras, a necessidade aguça o engenho ou, como disse no título, a criatividade. Outro bom exemplo foi dado por Hitchcock, com as suas cenas de amor a pulsar de tensão erótica numa altura em que o Código de Censura Hayes limitava a própria duração dos beijos nos filmes. Hitchcock terá mesmo batido os records para o beijo mais longo na sequência de Notorious em que Cary Grant e Ingrid Bergman se beijam demoradamente durante uma conversa telefónica. Esta sequência, que teve de ser feita de forma a fugir às restrições do código, criou uma das sequências mais memoráveis do cinema americano - e, por memória colectiva, do cinema mundial.

Outros exemplos foram dados por Chaplin, com os seus filmes permanentemente politicamente incorrectos. Chaplin acabou mesmo por ser proibido de voltar a entrar nos EUA, proibição que só foi levantada muito mais tarde. Todos os seus filmes tinham a tendência de atacar as instituições americanas o que, para a altura, poderia ter levado à censura de muitos dos seus filmes. Apenas a sua inventividade na forma como fazia estes ataques conseguiam que o filme escapasse à fúria censora. E, pelo caminho, entravam para o panteão da 7ª Arte.

P.S.
Caro Jorge, não te posso dar nenhum conselho para o "The Passion..." porque ainda não o vi. Mas pelo que li talvez seja boa ideia levar um pequeno saco de papel.

segunda-feira, março 22, 2004

Preparo-me para num dos próximos dias ver finalmente "A Paixão do Cristo". Algumas palavras de última hora (conselhos, avisos, etc)?

quarta-feira, março 17, 2004

E por falar em animação, será que a animação digital (lembro-me agora das cenas de batalha matrixianas) supera a animatronics do Ray Harryhausen? Eu prefiro mil vezes ver os esqueletos soldados d'"A Ilha Misteriosa" do que o Gollum...
Burlesco moderno
Ontem revi o Gremlins, o primeiro. Aqui há umas semanas tinha visto o Looney Tunes - Back in Action. Em comum? O realizador, Joe Dante. Algo mais em comum? A colaboração entre "bonecos" e actores humanos. No caso do Gremlins, os bonecos são do tipo tradicional. No caso do Looney Tunes, são desenhos animados criados em computador. Nenhum dos conceitos é inovador. A primeira vez que vi um desenho animado a contracenar com um actor humano foi com o Gene Kelly a dançar com o rato Jerry no Anchors Aweigh no longínquo ano de 1945. Quanto ao uso de bonecos ou fantoches, esse é tão antigo quanto o conceito de espectáculo.

Então que têm os filmes de Dante de especial? Dante nunca se conforma com os clichés habituais da mistura de géneros - referências diferentes, conflito de mundos, etc. - e tenta permanentemente fundir os dois universos para criar um mundo híbrido. Neste sentido, talvez devido à ajuda que recebe do digital, o Looney Tunes é o que mais longe leva este conceito, dando a entender, muitas vezes, que o próprio Brandon Fraser é um cartoon, isto pelas figuras que faz e pelas situações em que se envolve.

Esta fusão já se notava em Gremlins, embora mais pelo lado dos monstros. É notável a sequência dos gremlins a beber, fumar, cantar e jogar cartas no pub. Parecem-se com um conjunto de hooligans num pub num domingo à tarde a ver o jogo da final do campeonato do mundo de futebol. Com esta e outras cenas, Dante ensaia uma aproximação entre os monstros e os humanos. Mesmo a personagem de Murray Futterman consegue ir-se aproximando do estilo típico dos cartoons, sendo extremada em todos os seus esgares, gestos e maneirismos. Até a sequência em que, depois de sabotar a caldeira do cinema, Billy e Kate passam por trás do ecrã e são iluminados de forma a serem vistos pelos gremlins dá a ideia de fusão entre humano e cartoon, o que é realçado pelo facto de o filme que estava a ser projectado ser precisamente um cartoon, talvez a referência do género, Branca de Neve e os Sete Anões.

Em Looney Tunes o avanço prossegue em todas as cenas, desde o já referido Brandon Fraser, passando por Timothy Dalton e Steve Martin ou pelos hilariantes presidentes do estúdio. Neste vendaval, Jenna Elfmann, no papel da vice-presidente que acompanha a aventura "arrastada" por Bugs Bunny e que se apoia em números para definir os projectos seguintes do estúdio, acaba por se ir convertendo, aos poucos, à loucura dominante no filme.

Todos os filmes de Dante têm sido dominados por um sentimento de loucura permanente e extravasante, bem como pela ideia de fusão entre humano (real) e fantástico (imaginado). Estes dois vectores não são sempre óbvios, sendo normalmente subliminares. O caso mais óbvio disto é em The Second Civil War, onde a fusão é realizada com ajuda da televisão, que acaba por transformar os intervenientes de uma guerra prestes a acontecer em caricaturas. Já a loucura está presente de forma violenta e ácida em todos os filmes que vi, sendo o caso mais óbvio, novamente, Looney Tunes.

Terminando, Joe Dante, recordado pelos dois filmes que vi ou revi dele nos últimos tempos, será actualmente um dos maiores "artesãos" do cinema americano moderno, não se socorrendo das tecnologias para ignorar a história, antes usando-as para caucionar o seu trabalho de forma mais consistente, normalmente dando a volta ao estereótipo.

terça-feira, março 16, 2004

João Sousa André, João Vaz e Jorge Vaz Nande dão-vos as boas vindas ao mundo da 7ª Arte.

Let the Games begin...