Nos últimos anos tmeos visto inúmeras adaptações para o cinema vindas da BD. Isto tem sido particularmente verdade no que respeita aos super-heróis, desde o Super-Homem de
Christopher Reeve ao recentíssimo Justiceiro (
The Punisher no original), passando pela obra-prima absoluta que é esse opus a dois tempos de
Tim Burton:
Batman/Batman Regressa.
O que raramente temos visto são adaptações de BD que sigam o espírito original, uma ideia de caos alegremente pintado e de uma fantasia saudavelmente ignorada. Vimos isso numa obra menor mas nem por isso merecedora de menorização, de
Warren Beatty:
Dick Tracy. Já este ano encontrámos
Hellboy, com potencialidades para tanto mas nas mãos de um realizador demasiado "dark" para o tornar, digamos... "giríssimo".
Vem-nos agora parar às mãos um filme sobre um herói que não saiu de nenhuma banda dsenhada, mas de várias: Sky Captain.
Sky Captain and the World of Tomorrow parece ter saído de um episódio do Major Alvega (o da televisão, meus amigos, o da televisão) que por milagre do destino multiplicou por um milhão o seu orçamento.
O programa é simples, tal como na BD: um vilão, sugestivamente chamado Totenkopf, está a raptar as mentes mais brilhantes do mundo. Ao mesmo tempo sucedem-se os ataques de robôs gigantes a cidades e outros locais que alberguem poderosas fontes de energia. Incapazes de responder ao perigo, os governos do mundo - que é o mesmo que dizer os Estados Unidos da América - pedem a Sky Captain e sua equipe que os salve.
É simples e simplista, tal como qualquer bada desenhada deve ser. Tem um herói jovem e atraente (
Jude Law), uma heroína metediça, bonita e marcadamente feminina (
Gwyneth Paltrow num registo muito Lois Lane) e ainda uma outra heroína forte e determinada capaz de comandar o respeito dos homens (
Angelina Jolie). Tal como todas as BD's, a acção segue para outras paragens e chegamos a passar pelos Himalaias. No fim, como não poderia deixar de ser, vemos uma ilha, forçosamente não cartografada, que transpira de irrealidade.
Para não deixar spoilers é melhor ficar por aqui no que diz respeito à história. Quanto ao resto, pode-se ver o prazer que o realizador retirou do filme. Começou por ser um projecto pessoal de
Kerry Conran que, depois de este ter preparado um teaser, se converteu num filme de milhões de dólares e com elenco de luxo. A acção foi filmada com recurso ao digital, mas sem entrar em falsos realismos. Toda a atmosfera do filme é artificial, como se tivesse acabado de sair da prancha de um desenhador que gosta de carregar na cor (semelhança evidente com
Dick Tracy, embora um pouco por outro caminho). O suposto período histórico, situado algures nos anos 30, ajuda ao cenário retro domina as imagens (Batman em todo o seu esplendor). O melting-pot de influências, desde ideias devedoras do expressionismo alemão, passando pela Guerra dos Mundos de Wells ou Welles, o edifício do jornal de Paltrow a evocar o de Clark Kent e Lois Lane, a jornalista decidida e superficialmente invulnerável a lembrar a
Barbara Stanwyck de
Meet John Doe, diversos monstros a evocar os filmes de série b dos anos 50, etc. Conran mostra que sabe muito bem em que espaço se movienta e aquilo que quer para o seu filme. Notável também o aproveitamento de
Sir Laurence Olivier para uma "aparição" além-túmulo.
O filme é um prodígio de realização? Nem por isso. Tem interpretações deslumbrantes? Não, nem as personagens têm espaço para tanto. A história é inovadora? Além da abordagem técnica que recebe, estaremos muito longe disso. O que é que torna então este filme diferente? Talvez a possibilidade, a primeira desde há muito tempo, de olhar para um filme com o fascínio infantil da sua origem e confirmar que ainda há alguns caminhos a desbravar, mesmo na área do entretenimento.
PS - tentei estragar o menos possível a surpresa. Depois verão. Também vale a pena descobrir a surpresa final.