Mão à palmatória
Depois de ter deixado aqui um comentário pouco elogioso sobre o Leonardo di Caprio, tenho que reconhecer que ele, em The Aviator, está muito, mas mesmo muito bem. Não consegue roçar o sublime devido a uns quantos momentos menos conseguidos mas, pela primeira vez desde o The Basketball Diaries, que não se lhe via um desempenho tão cheio de força e tão marcante como este na pele do excêntrico multi-milionário Howard Hughes.
O filme fala de uma única pessoa: Howard Hughes. Os outros são apenas personagens de passagem, como Katherine Hepburn, Ava Gardner, Jean Harlow ou mesmo os seus amigos Noah Dietrich e Glenn Odekirk. Desiluda-se quem espera um retrato de época, a mesma é evocada apenas enquanto sendo aquela durante a qual Hughes viveu. As festas loucas de Hollywood aparecem, mas só de passagem (e dão oportunidade a Jude Law para fazer de Errol Flynn em cerca de 5 minutos de filme) e enquanto Hughes passa por elas muito de raspão. A II Guerra Mundial é personagem enquanto serve o interesse de Hughes de construir novos aviões. A Grande Depressão não é comentada e apenas o Crash da Bolsa de Nova Iorque surge numa referência de um repórter enquanto comenta a première de Hell's Angels, o primeiro filme de Hughes.
Todas as personagens e situações são, portanto, caricaturas. Apenas Hughes surge sob os holofotes. A única personagem que lhe rouba a atenção é mesmo Katherine Hepburn (num desempenho seguro mas sem brilho de Cate Blanchett, longe da sofisticação da actriz) mas mesmo essa vê-se obscurecida, especialmente num momento marcante do filme em que, na passadeira vermelha de um acontecimento social, Hepburn tenta fazer-se às câmaras enquanto toda a atenção dos repórteres recai sobre Hughes. A explicação surge mais tarde quando, na discussão que representa o fim da relação entre ambos, Hughes lhe atira: "Tu és apenas uma estrela de cinema, nada mais!".
Hughes, esse, era muito mais. Era aviador, piloto, empresário de cinema, realizador, playboy, germofóbico, obcecado, etc. Como Hepburn coloca o assunto: "Há demasiado Howard Hughes em Howard Hughes". Na maioria destas facetas, di Caprio consegue deslumbrar. Na paixão pelo cinema e pela aviação. Na obsessão pelos seus projectos pessoais. Na força que transmite em todos os detalhes que compunham a personagem de Hughes. Só falha, na minha opinião, nas fragilidades do mesmo: na fobia a germes que o faz trancar-se, nú, numa sala de projecção, a coleccionar urina em garrafas de leite; na dependência de mulheres - a mãe, Hepburn, Gardner, etc - típica de Hughes e explorada por Scorsese; na incapacidade de aceitar fracassos e que o levavam a fúrias. Talvez di Caprio ainda seja "bonito demais" para tais momentos. É difícil imaginar aquele homem (ainda que a cara seja apenas de rapazinho) a passar momentos difíceis e isso transmite descrença ao espectador.
Quanto ao resto, nota-se a maturidade crescente do actor. A sequência, perto do final, em que enfrenta o inquérito público movido pelo seu inimigo, o Senador Brewster - excelente Alan Alda - demonstra uma força incrível, e é absolutamente credível e exemplar do carácter de Hughes. Di Caprio também consegue ser credível com o envelhecimento de Hughes - infelizmente algo mal caracterizado e consequente maturidade. A falha vem no momento da queda de Hughes, nas fases em que a sua fobia vinha ao de cima. Di Caprio representa alguém enojado pelo contacto humano mas sem grandes demonstrações de pânico, sendo, possivelmente, uma falha que o actor não consegue combater.
Quanto a Scorsese- que eu, pessoalmente, julguei incapaz de voltar a níveis sequer aproximados dos de Casino - volta a demonstrar que é um grande realizador. Depois de deixar que o seu épico anterior, Gangs of New York, lhe fugisse das mãos, demonstr absoluto controle sobre este filme, garantindo uma continuidade fácil de acompanhar ao mesmo tempoq ue conta a sua história sem se desviar por intrigas paralelas. O filme tem, portanto, um conteúdo programático que é simplesmente a vida de Hughes. Scorsese não se desvia disso e consegue contruir a sua teia de tal forma que, no fim, ficamos a murmurar, juntamente com Hughes, "The way of the future... the way of the future... the way of the future..."
O filme fala de uma única pessoa: Howard Hughes. Os outros são apenas personagens de passagem, como Katherine Hepburn, Ava Gardner, Jean Harlow ou mesmo os seus amigos Noah Dietrich e Glenn Odekirk. Desiluda-se quem espera um retrato de época, a mesma é evocada apenas enquanto sendo aquela durante a qual Hughes viveu. As festas loucas de Hollywood aparecem, mas só de passagem (e dão oportunidade a Jude Law para fazer de Errol Flynn em cerca de 5 minutos de filme) e enquanto Hughes passa por elas muito de raspão. A II Guerra Mundial é personagem enquanto serve o interesse de Hughes de construir novos aviões. A Grande Depressão não é comentada e apenas o Crash da Bolsa de Nova Iorque surge numa referência de um repórter enquanto comenta a première de Hell's Angels, o primeiro filme de Hughes.
Todas as personagens e situações são, portanto, caricaturas. Apenas Hughes surge sob os holofotes. A única personagem que lhe rouba a atenção é mesmo Katherine Hepburn (num desempenho seguro mas sem brilho de Cate Blanchett, longe da sofisticação da actriz) mas mesmo essa vê-se obscurecida, especialmente num momento marcante do filme em que, na passadeira vermelha de um acontecimento social, Hepburn tenta fazer-se às câmaras enquanto toda a atenção dos repórteres recai sobre Hughes. A explicação surge mais tarde quando, na discussão que representa o fim da relação entre ambos, Hughes lhe atira: "Tu és apenas uma estrela de cinema, nada mais!".
Hughes, esse, era muito mais. Era aviador, piloto, empresário de cinema, realizador, playboy, germofóbico, obcecado, etc. Como Hepburn coloca o assunto: "Há demasiado Howard Hughes em Howard Hughes". Na maioria destas facetas, di Caprio consegue deslumbrar. Na paixão pelo cinema e pela aviação. Na obsessão pelos seus projectos pessoais. Na força que transmite em todos os detalhes que compunham a personagem de Hughes. Só falha, na minha opinião, nas fragilidades do mesmo: na fobia a germes que o faz trancar-se, nú, numa sala de projecção, a coleccionar urina em garrafas de leite; na dependência de mulheres - a mãe, Hepburn, Gardner, etc - típica de Hughes e explorada por Scorsese; na incapacidade de aceitar fracassos e que o levavam a fúrias. Talvez di Caprio ainda seja "bonito demais" para tais momentos. É difícil imaginar aquele homem (ainda que a cara seja apenas de rapazinho) a passar momentos difíceis e isso transmite descrença ao espectador.
Quanto ao resto, nota-se a maturidade crescente do actor. A sequência, perto do final, em que enfrenta o inquérito público movido pelo seu inimigo, o Senador Brewster - excelente Alan Alda - demonstra uma força incrível, e é absolutamente credível e exemplar do carácter de Hughes. Di Caprio também consegue ser credível com o envelhecimento de Hughes - infelizmente algo mal caracterizado e consequente maturidade. A falha vem no momento da queda de Hughes, nas fases em que a sua fobia vinha ao de cima. Di Caprio representa alguém enojado pelo contacto humano mas sem grandes demonstrações de pânico, sendo, possivelmente, uma falha que o actor não consegue combater.
Quanto a Scorsese- que eu, pessoalmente, julguei incapaz de voltar a níveis sequer aproximados dos de Casino - volta a demonstrar que é um grande realizador. Depois de deixar que o seu épico anterior, Gangs of New York, lhe fugisse das mãos, demonstr absoluto controle sobre este filme, garantindo uma continuidade fácil de acompanhar ao mesmo tempoq ue conta a sua história sem se desviar por intrigas paralelas. O filme tem, portanto, um conteúdo programático que é simplesmente a vida de Hughes. Scorsese não se desvia disso e consegue contruir a sua teia de tal forma que, no fim, ficamos a murmurar, juntamente com Hughes, "The way of the future... the way of the future... the way of the future..."
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