segunda-feira, fevereiro 28, 2005

A despedida real

Há uns tempos avisei que deixaria de escrever neste blogue. A razão que o sustentava tinha-se dissipado. O blogue tinha surgido para ser uma espécie de continuação do programa de rádio que um dia fizemos na Rádio Universidade de Coimbra, mas após um início muito interessante começou a falhar.

A culpa será talvez mesmo nossa, que não fomos capazes de o manter como gostávamos. Sei que, pelo menos de forma pessoal, será minha. Um blogue só faz sentido quando é lido, não é um prazer absolutamente pessoal. Quando coloco um texto online quero que as pessoas o leiam, que raciocinem sobre ele, independentemente de gostarem ou não. Isso não se passa com a maioria dos textos do Série B que aqui coloco. A maioria dos leitores de blogues querem ler textos rápidos, com um raciocínio superficial e, de preferência, que recaiam sobre filmes comerciais e que contenham o máximo de elogios aos mesmo filmes. Estes leitores prefere também blogues com aparência visual mais cuidada, coisa que os autores do Série B, por falta de tempo, não puderam acautelar.

Hoje, quando leio blogues como o Hollywood, feitos à imagem da revista Première e ao arrepio dos Cahiers, compreendo que escrever sobre cinema num formato como o do Série B é um exercício fútil Quando leio que o Hollywood teve uma centena de pessoas a ler a emissão em directo que o Miguel Lourenço Pereira fez, compreendo que a acefalia cinematográfica atingiu extremos. Não imagino porque razão alguém preferiria ler os comentários aos óscares quando os pode ver. E não compreendo como alguém se dá ao trabalho de ler os comentários aos óscares quando não pode.

Este é um episódio simples e que representa o leitor típico dos blogues de cinema. Eu não quero escrever para este leitor, mas também não tenho mais energia para dedicar aos muitos poucos que ainda nos vão lendo. Por isso, e a partir (talvez de hoje), deixarei de escrever no Série B. Quero apenas deixar uma crónica sobre o Million Dollar Baby, que tentarei ver esta noite e outra reflexão, um pouco diferente e mais cáustica, em jeito de despedida, sobre um cineblogue português. Até jé então, antes do até sempre.

João e Jorge, entrego-vos as chaves. Continuarei a escrever, também sobre cinema, no À Deriva. Quem queira pode sempre passar por lá.

Óscares

Mesmo não tendo visto a cerimónia - não foi transmitida por nenhuma televisão holandesa, num nítido sinal do desinteresse que a entrega começa a causar - deixo aqui umas impressões sobre os óscares.

O vencedor óbvio foi Eastwood, que mostrou que é o melhor realizador americano da actualidade, fazendo bons filmes, depressa, bem e com capacidade para fazer brilhar os seus actores. Também ficou demonstrado que Eastwood-actor nunca se irá desligar da imagem de Dirty Harry ou do Homem Sem Nome, sendo por isso quase impossível que receba um óscar de interpretação.

Hillary Swank paga o preço de ser uma actriz pouco sensual, carnal, atraente, sexy ou seja lá o que for que lhe queiram chamar. Basicamente paga o preço por não ser uma bomba sexual. Acaba por ter de lutar pelos papéis bons que, quando consegue obter, acaba por devolver com interpretações excepcionais. Por entre os seus dois óscares, contudo, acabou por não ter um único papel de relevo - talvez com a excepção do filme Insomnia em que era, contudo, secundária.

Também está visto que Scorsese vai ganhar, daqui por uns cinco anos, um óscar honorário. E se nunca ganhar um óscar estará em boa companhia, uma vez que Chaplin ou Hitchcock também nunca foram contemplados.

O óscar de Morgan Freeman é, obviamente, de compensação. Já o poderia ter ganho numa dezena de outros filmes, aliás, poderia ganhar um óscar por cada filme que faz, uma vez que é dos poucos actores que nos faz esquecer a cor da sua pele e que, portanto, não precisa de fazer papéis estereotipados. Ainda assim é algo injusto não reconhecer Clive Owen que carrega Closer às costas. E só não é totalmente injusto porque ele seria, na realidade, o actor principal desse filme, mas já é normal a Academia "atirar" com esse tipo de actores para as categorias secundárias simplesmente porque não têm o mesmo peso dos outros nomes do filme. Já se viu isso com Benicio del Toro em Traffic.

Por último, uma reflexãozinha. O de tentar acabar com o uso de "A Academia". Eu também o faço, é verdade, mas convém lembrar que os óscares são atribuídos pelos membros da Academia de forma individual. Não existe discussão aberta e cada um vota (ou não) como lhe der na real gana. Por isso não vale a pena tratar a atribuição de um óscar como sendo "a vontade da Academia", uma vez que isso às vezes não se verifica. Só assim se explica que surjam barbaridades como filmes que ganham o prémio para actor, realizador e argumento (The Pianist, para 2002), não ganhem o de melhor filme; ou que um filme suportado por um actor (Russel Crowe em A Beautiful Mind) não dê o óscar a esse mesmo actor mas ganhe o de realizador e de melhor filme.

Os oscares estão banalizados e cada vez mais desinteressantes. Cortem no paleio e tornem-nos mais directos e compreensíveis. E se puderem comecem a olhar para o cinema do resto do mundo. É que há filmes que colocam a um canto qualquer nomeado deste ano...

Sem Soul

Vi ontem o filme Ray. Neste momento já sei que Jamie Foxx ganhou o óscar de melhor actor pela sua composição de Ray Charles. O filme nada mais quer mostrar que o genial músico, é apenas um one-man show. O que surge a mais é de forma quase involuntária.

Primeiro ponto: sem dúvida que Jamie Foxx é um Ray Charles credível. É parecido com o músico, move-se como ele, parece tocar como ele (e para isto compare-se com a aparição que o próprio Ray Charles fazia em The Blues Brothers) e, para todos os efeitos, tornou-se Ray Charles. Só que é aí que está o problema. Com tantas referências sobre Ray Charles, inclusivamente com a possibilidade de ter convivido com Ray Charles, Jamie Foxx perdeu a oportunidade de compor a personagem. O Ray Charles que vemos é alguém sem alma, sem uma vida própria, limitando-se a ser apenas uma marioneta nas mãos de Foxx. A interpretação é soberba e a sua técnica inatacável, mas para uma personagem com Ray Charles pedia-se mais, pedia-se alma, a mesma alma que Foxx demonstrou num filme vergonhosamente subvalorizado de Michael Mann, Ali, onde desempenhou o papel de "Bundini" Brown, o inspirador de Ali, e para o qual construiu uma actuação soberba sem ter qualquer referência sobre o mesmo. Aliás, Taylor Hackford, realizador de Ray, poderia aprender qualquer coisa com Mann sobre como fazer biopics.

Segundo ponto: a alma "soul" da história. Pessoalmente temia que o filme fosse um gigantesco videoclip, com momentos dramáticos a intercalar os números musicais. Infelizmente nem isso chegou a ser. Todas as músicas são interrompidas a meio - senão antes - e cingem-se quase exclusivamente aos sucessos de Ray Charles. Falta, para dar vida ao filme, um único momento que cumprisse uma música completa. Da mesma forma, o desfiar dos diversos espectáculos de uma tournée mundial, simbolizados pelo apresentador a saudar as diversas cidades nas mais diversas línguas, também nada serve para o filme, sendo um absoluto desperdício de película. Também a sua luta silenciosa contra a segregação e o racismo é escondida do filme, apenas surgindo no episódio da recusa em actuar para uma audiência segregada. A sua prisão é quase ignorada, ficando esse episódio como que branqueado. Faltam pedaços importantes da vida de Ray Charles, os quais seriam mais importantes que os patéticos encontros com o cadáver do irmão.

Terceiro ponto: as mulheres. Kerry Washington, Regina King e Sharon Warren compõem personagens credíveis, quase que as únicas com verdadeira força no filme. Washington no papel da esposa de Ray Charles, apresentando uma força tranquila, King como a amante dele, numa foça avassaladora, ciumenta e possessiva e, por fim, a força determinada de Warren, no papel da mãe de Ray Charles, a melhor interpretação de todo o filme - incluindo a de Foxx - uma vez que poucos referenciais teria sobre a sua personagem e a torna credível a toda a extensão. Rouba todos os momentos do filme e faz desejar que a história se passasse apenas na infência de Ray Charles para a podermos ver mais vezes.

Conclusão, filme medianíssimo que se salva por algumas interpretações muito bem conseguidas, ainda que a mais saudada delas seja a que menos toca. Foxx lá levou o óscar, mas se ele tivesse sido entregue antes às suas actrizes secundárias estaria em muito melhores mãos. Já Taylor Hackford, agora que completou o seu projecto de vida, mais vale que se reforme. Aquilo que ele tem para dar ao cinema não é novo.

sábado, fevereiro 12, 2005

O Aviador

Lembro-me de uma vez ter lido um texto em que a Camille Paglia deitava abaixo Leonardo diCaprio enquanto símbolo sexual com base na sua aparência imberbe. Foi algo que me passou pela cabeça enquanto via a interpretação de Howard Hughes pelo actor. Ora vejam lá...